domingo, 21 de fevereiro de 2010

O Garoto

The Kid
EUA, 1921
Direção: Charles Chaplin


Na filmografia de Charles Chaplin há dois filmes especialmente autobiográficos, Luzes da Ribalta, acerca da aposentadoria de um artista, e O Garoto, sobre sua infância.

Chaplin nasceu em família pobre e complicada, a mãe não tinha condições psíquicas de criá-lo, foi internada como louca; o pai, alcoólatra, o abandonou ainda na infância. Condições que o levaram a viver em orfanato. O orfanato onde Charles Chaplin viveu parte de sua infância ainda existe, no Reino Unido, encoberto pelas fuligens do mundo industrial.

Subiu ao palco pela primeira vez aos cinco anos de idade, no Music Hall, em Londres. Chegou aos Estados Unidos com a companhia de comédia Fun Factory. Em 1919, junto com Mary Pickford, Douglas Fairbanks e D. W. Griffith, fundou a United Artists e se tornou um dos diretores mais independentes do cinema.

Aos 28 anos tornou-se rico interpretando um pobretão. Astro da comédia-pastelão, Chaplin dirigiria pela primeira vez um filme emotivo. Muitos duvidaram da qualidade de um filme que misturava humor e drama. Difícil duvidar de algo que leva a assinatura de Chaplin. O resultado é uma comédia potencialmente emotiva. Essa definição está estampada na frase de abertura de O Garoto: “Um filme com um sorriso e, talvez, uma lágrima”. Nesse sentido, O Garoto é uma prévia de Luzes da Cidade, também dirigido por Chaplin, talvez o filme mais emocionante de todos os tempos.

A cena do garoto sendo levado a força ao orfanato, aos prantos, é quase um resgate da memória de Chaplin. Jackie Coogan não atuou, mas chorou de verdade! Como é comum, o garoto sofreu chantagem emocional para gravar cena de choro. Seu pai disse que, se não chorasse, ele iria realmente ter de viver no orfanato. Coogan foi um dos atores preferidos de Chaplin com o qual contracenou, além de ser bastante amigável, ele tinha facilidade de seguir ordens e executá-las bem.

A estreia de Jackie Coogan foi num outro filme de Chaplin, o curta-metragem Um Dia de Prazer (A Day’s Pleasure, 1919), que funcionou como teste para a criança. Depois de O Garoto, Coogan tornou-se uma estrela, a primeira criança a conseguir tal façanha entre as celebridades de Hollywood.

A imagem de Carlitos e o garoto sentados à porta da casa transcendeu uma imagem de cinema e se tornou um símbolo de fraternidade. Representado por um pai desnaturado porém muito carinhoso e um filho que aprendeu a ser picaresco com pai, ainda cedo, para se alimentar.

O Garoto foi a prova de que é possível cruzar dois gêneros do cinema bastante diferente, uma mistura que incomum até então. O resultado foi um equilíbrio perfeito entre sorriso e lágrimas.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A Guerra do Fogo

La Guerre du Feu
França/Canadá, 1981
Direção: Jean-Jacques Annaud

A Guerra do Fogo é um filme cujo objetivo vai muito além do entretenimento, trata-se de uma épica aventura embasada em profundo estudo antropológico da era primitiva. O resultado é uma obra altamente imersiva que leva o espectador a 80.000 anos a.C., quando o fogo era sinônimo de poder e sobrevivência. Era algo tão fundamental que a tribo de Homo Sapiens Ulan – dos personagens principais – possuia um membro encarregado de manter uma tocha sempre acesa, já que não conheciam a técnica de criação do fogo e tinham de aproveitar as raras fontes naturais. Quando tribos se digladiavam, não bastava derrotar o inimigo, era necessário apagar qualquer vestígio do fogo para que outros não aproveitassem a chama, reduzindo, assim, as chances de remanescência dos rivais. Cada sociedade é ricamente construída e possui características culturais próprias, elas têm diferentes postura corporal, traje, dieta, níveis de inteligência e de capacidade motora, e toda essa riqueza de nuances é revelada nos encontros entre espécies de hominídeos.

Um erro muito comum ao falar sobre A Guerra do Fogo é achar que se trata de um filme mudo, vários usuários do sítio IMDb cometem essa gafe ao comentá-lo, este é, na verdade, um filme como uma linguagem que ninguém entende, mas todos a interpretam; é um idioma universal que põe o filme acima de todas as barreiras idiomáticas. O gênio por trás disso: Anthony Burgess, roteirista, lingüista e escritor que ficou mundialmente famoso após a adaptação do seu livro Laranja Mecânica para o cinema por Stanley Kubrick. Burgess desenvolveu idiomas com níveis de eficiência distintos, os menos evoluídos abusam de grunhidos e gritos; quanto à tagarela Ika (a garota que segue o trio Ulan), percebemos algumas dezenas de palavras, quase sempre copiosamente repetidas. No total são 350 palavras, dicionarizadas nos extras do DVD. Para completar as lacunas da arcaica comunicação oral, os primitivos exploram os gestos e expressões corporais, coreografados pelo etologista inglês Desmond Morris, que desenvolveu insultos, provocações etc., como quando Noah vira as costas para Ika e cisca os pés, simbolizando desprezo.

As tribos com as quais se deparam os guerreiros ulans são reveladas em escala ascendente de inteligência, até que se defrontam com a sociedade Ivaka, da qual Ika é membro. Os ivakas estão no topo da hierarquia intelectual, eles constroem casas, vivem cercados por armadilhas naturais, têm experiências medicinais, usam o atlatle (arma da era pré-escrita que impulsiona o arremesso de projéteis) e detêm outras tecnologias. Eles se diferenciam mais ainda nas questões sócio-culturais. No encontro com Naoh, o ancião analisa o pênis e o vigor do guerreiro, prepara um banquete e serve-lhe as mulheres mais saudáveis para reprodução... uma eugenia das cavernas, o que revela uma capacidade cognitiva bastante avançada. Além do mais eles se embriagam, festejam... como nos tempos modernos.

Dentre os novos conhecimentos, o mais importante para os ulans, sem dúvida, é técnica de desenvolver o fogo, mas destaco aqui a noção do humor. Quando, no começo da saga, Amoukar (Ron Perlman) é acidentalmente atingido por uma pedra, a gargalhada de Ika é algo incompreensível; mais tarde, depois de um breve convívio com os ivakas, Amoukar deliberadamente atinge Gaw (Nicholas Kadi) e todos experimentam, pela primeira vez, o prazer de uma boa risada. Da mesma forma descobrem como aprimorar o prazer do sexo, que vai do oportunismo ao ato passional.

A Guerra do Fogo já foi bem mais popular no Brasil, quando era freqüentemente exibido na Sessão da Tarde, da Rede Globo, hoje a transmissão no horário é impossível devido à classificação indicativa que ficou mais rígida nos últimos anos. Infelizmente é um filme não tão visto quanto merece e que pode render debates em diversas áreas: sexologia, antropologia, lingüística etc. E não devemos nos esquecer que, como um bom filme, ainda é bastante divertido.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A General

The General
EUA, 1927
Direção: Buster Keaton e Clyde Bruckman

"Buster Keaton é engraçado até sem fazer nada."
Citação de Os Sonhadores

A fase muda do cinema está improdutiva, mas não sepultada, temos o conforto de saber que certas películas se eternizaram. Dois atores, bastante prolíferos e com filmes ainda atuais, costumam ser citados como os mais importantes da época: Buster Keaton e Charles Chaplin. Eles escreviam, atuavam e dirigiam comédias, principalmente; tais semelhanças os levaram à concorrência e eternas discussões acerca de qual o melhor. O maravilhoso filme metalingüístico Os Sonhadores (The Dreamers, 2003), de Bernardo Bertolucci, estabelece o debate em um diálogo entre jovens cinéfilos sobre os astros, o interessante é que eles não chegam a um consenso ou uma conclusão. Roger Ebert, premiado crítico de cinema americano, chegou a citá-los como arqui-rivais... termo exagerado e desnecessário. Não vejo nenhum como superior, ambos são talentos inegáveis e ímpares que reinaram o cinema mudo. Contracenaram uma única vez, em Luzes da Ribalta (Limelight, 1952), protagonizado e dirigido por Chaplin, ironicamente, um filme sonoro, tecnologia que os arruinou. “Silêncio é dos deuses; só macacos tagarelam”, disse Keaton, que trabalhou essencialmente com imagens e não se adaptou perfeitamente aos filmes sonoros, firmados na década de 1930. Por vários anos ficou quase que totalmente esquecido, Crepúsculo dos Deuses (Sunset Blvd., 1950) faz uma ótima anedota sobre o assunto, Buster Keaton e Anna Nilsson, veteranos do cinema mudo, jogam cartas ao lado de Norma Desmond, personagem fictícia interpretada por Gloria Swanson, algo como os integrantes do “clube dos artistas falidos”.

Buster Keaton no "Clube dos Artistas Falidos", cena de Crepúsculo dos Deuses

Fato comum nos filmes de Buster Keaton é a busca venturosa pela sua paixão, em A General, há duas paixões, a locomotiva, que intitula o filme, e a adorável Annabelle Lee (Marion Mack). Johnny Gray (Keaton) nos cativa desde o princípio, na cena em que se dirige à casa de Annabelle, no seu encalço estão dois garotinhos – na época da Guerra Civil Americana (1861–1865), cenário do filme, maquinista era uma profissão muito bem-vista e almejada por crianças, elas são admiradoras dele –, lá o jovem descobre que não tem chance como pretendente, senão trajando um uniforme militar. É impedido de alistar-se, não por ter 1.68 metro de altura e um porte físico atrofiado, mas porque é mais útil ao lado dos trens. Um das cenas mais significantes de A General vem a seguir, Gray, sentado na ferragem da locomotiva, pensando na mulher que lhe é agora impossível, sequer percebe o movimento das barras, absorto em sua frustração; algo semelhante estava planejado para a cena final, quando Gray e Annabelle estão sentados na mesma barra metálica, a idéia foi descartada, haja vista o risco que correriam (a preocupação, porém, era voltada exclusivamente a Marion Mack).

A aventura se inicia com o roubo da General junto ao seqüestro de Annabelle, e Johnny Gray usa a locomotora Texas para o resgate. Imagino que a maioria das pessoas – que não tenha visto A General – pensa em uma perseguição entre trens como algo enfadonho e repetitivo, até porque entre esses meios de transporte, andando sobre o mesmo trilho, jamais haverá ultrapassagem, mas Keaton estava no auge de sua criatividade. São incríveis as acrobacias e manobras que ele realiza, sem uso de dublês, para resgatar suas paixões, a cena em que ele usa um canhão e, involuntariamente, aproveita uma curva para disparar na direção de seus algozes é impagável, de uma perfeita precisão; outra em que, carregando o trem de lenha, coloca duas toras em um vagão e no terceiro arremesso derruba toda a carga que pusera, tudo feito num plano contínuo; na mais impressionante, porém, Gray tem de remover dois dormentes que bloqueiam os trilhos, sai do trem, tira o primeiro manualmente e o lança contra o segundo, livrando o caminho – um bloco de madeira, que deve pesar algumas dezenas de quilos, passa a cerca de metro da sua cabeça, isso quando não se podia contar com a ajuda de efeitos digitais. Fantástico. Depois desse segmento da saga, o paladino se infiltra no acampamento nortista, fica a par do plano adversário e se apossa de seus intentos. Com um enredo tão simples, este filme consegue uma montagem incrível, na segunda fase da perseguição a situação se inverte, e nosso herói usa as artimanhas que o estorvaram, agora, contra os soldados do norte, culminando na destruição do comboio inimigo.

As façanhas de Gray são mais surpreendentes do que burlescas, muitas gags vêm dos acidentes que lhe trazem vantagens, como o tiro de canhão que derruba a represa e arrasta os soldados do Norte, já no fim do filme. A personagem de Marion Mack também tem o seu lado cômico, ela é um empecilho para o herói – muito comum nas aventuras que entram em cartaz hoje em dia –, quando a lenha está escassa e precisam de combustível, ela seleciona a madeira que lhe agrada o olhar, descarta uma tora simplesmente por ter um furo, mero capricho feminino; também é incapaz de pôr em prática as instruções mais básicas de seu protetor para operar a General. Annabelle Lee é uma convincente vítima de seqüestro, ela sofre humilhações e pungências, é ainda mais doloroso quando nos lembramos das primeiras cenas, quando ela é apresentada como uma imaculada jovem do Sul. “A moça divertiu-se mais nesse filme do que em qualquer outro que havia feito. Penso que é porque muitas atrizes principais, naquela época, pareciam que tinham acabado de sair de um salão de beleza. Mantinham-nas sempre com esse aspecto – mesmo em carruagens, elas estavam sempre lindas. Ignoramos isso, sujamos a nossa heroína um pouco e demos-lhe um tratamento duro”, palavras do diretor.

A epopéia da comédia reserva um fim revigorante para Johnny Gray, mas não para Buster Keaton, pois foi um fracasso econômico nas bilheterias, junte a isso o alto custo de produção, toda a guerra, figurino e a destruição de uma ponte e uma locomotiva reais, a cena mais cara do cinema mudo. Seu talento se tornaria cada vez mais pálido, anos depois seria um modesto apresentador de um programa de TV com meia hora de duração. Nas últimas décadas, entretanto, a filmografia de Keaton foi ressuscitada, suas obras, especialmente A General, costumam entrar em listas de melhores filmes de todos os tempos. Justiça ainda que tardia.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Quando Explode a Vingança

Giù la Testa
Itália, 1971
Direção: Sergio Leone

Sergio Leone, que se consagrou com a com a trilogia do dólar e Era uma Vez no Oeste, abandona o estereótipo do forasteiro sem nome que pretende fazer vingança com as próprias mãos e lança Quando Explode a Vingança, filme bem mais ousado, com uma visão peculiar da revolução. O cenário é a Revolução Mexicana, encabeçada por Porfírio Díaz (1830-1915), governador despótico que, por meio de fraude eleitoral, permaneceu no governo por mais de 30 anos, trouxe desenvolvimento industrial ao México à custa de opressão às classes pobres. Em 1911 foi derrotado por Francisco Madero (1873-1913), mártir político que defendia a reforma agrária e redemocratização do país. Dois anos depois, Victoriano Huerta (1854-1916), apoiado pela aristocracia latifundiária e investidores estrangeiros, aplicaria um golpe militar e subiria ao poder, colocando a nação em um rígido regime militar. As principais frentes populares contra a tirania foram formadas por Emiliano Zapata e Pancho Villa, “que tem colhões de búfalos”; na película de Leone temos a fictícia dupla quixotesca Juan e John.

Rod Steiger e James Coburn estão no melhor de sua fase; interpretam, respectivamente, Juan e John. Juan é um caipira, cuja família é sua pátria, embora seja anti-revolucionário – a revolução é idealizada por quem ler livros, mas custa o sangue dos pobres –, combate os abastados capitalistas forasteiros assaltando-os, é um personagem pícaro e carismático, apesar de rude. John é um especialista em dinamites, ex-integrante do IRA (Exército Republicano Irlandês, força armada civil que lutou pela liberdade religiosa e separação da Irlanda do Reino Unido). Descrê na insurreição devido à frustração que tivere em seu país. Como os anônimos de Era uma Vez e Por uns Dólares a Mais, conhecemos o passado do dinamiteiro pelas suas memórias, seu último devaneio, nas ânsias da morte, é a cena mais intrigante, parece ser a noção que ele tem do paraíso, ao lado de amigos, em uma relação libertina. Devido ao fardo que carrega pela morte do amigo e o suicídeo do Dr. Villega, os perdoa.

O desentendimento da dupla garante o bom humor, pelo menos até o filme tomar um tom mais melancólico, algumas cenas parecem oriundas dos cartuns, como Juan olhando através do sombrero furado e o chapéu sobre o cavalo após o sumiço de John, mas a melhor delas é quando o ladrão de galinhas vê no irlandês a possibilidade de alcançar o seu santo graal, o Banco Nacional de Mesa Verde, e o banner aparece sobre sua cabeça acompanhado de um coro de igreja. Até Ennio Morricone, que assina as composições, faz as vezes de humorista, o tema de Juan com o ruído “uóp, uóp” – inspirado no som que faz um estômago faminto – e a música executada no assalto ao banco são hilariantes.

Uma das marcas de Leone são as citações religiosas, como a nitroglicerina de John chamada água benta e a estátua sacra sobre a imagem do Banco de Mesa Verde. Depois do massacre na Gruta de Santo Isidoro, Juan se torna apátrida e perde a crença religiosa, arranca o crucifixo do seu pescoço e joga-o no chão. A idéia ateísta parece prevalecer, principalmente na cena em que Juan é seqüestrado: antes de ser fuzilado, ele olha para o céu e não tem resposta divina; quando olha pro horizonte, vê seu amigo a fim de resgatá-lo, no fim, entretanto, John busca restaurar sua fé devolvendo-lhe o colar. Comida também sempre está presente nos filmes de Leone, mas em Quando Explode a Vingança ele mostra maturidade e a insere no contexto da rebelião, logo na primeira cena, no interior da charrete, caracteriza os burgueses americanos com a comilança. E o Coronel Gunther Ruiz bebendo ovo cru? Uma clara alusão ao bordão “não se fazem omeletes sem quebrar ovos”, que pode ser parafraseado: “não há revolução sem morte”.

Quem conhece bem esta obra deve ter conhecimento dos vários títulos pela qual é conhecida. Estreou na Itália sob o nome de Giù la Testa (Abaixe a Cabeça), do próprio Leone; chegou aos Estados Unidos como Duck you Sucker (algo como Abaixe-se, Idiota), talvez por ter sido considerado vulgar, trataram de trocar para um nome mais comercial: A Fistful of Dynamite (Um Punhado de Dinamite), que lembra o sucesso Por um Punhado de Dólares; na França a referência foi a Era uma Vez no Oeste, Il Était une Fois... la Révolution (Era uma Vez... a Revolução). Os brasileiros deram um título que limita a noção que se possa ter do filme, o pior de todos, sem mais comentários, o nome em Portugal, Aguenta-te, Canalha, é mais condizendo ao contexto. O fracasso comercial de Quando Explode a Vingança pode ser atribuído ao título americano insatisfatório e à versão em VHS, a única disponível até dois anos atrás, que cortou várias cenas e tornou-o incompreensível. A versão em DVD veio sem cortes, e com o título Duck you Sucker, nos Estados Unidos.

Leone, dito por alguns cineasta apolítico, é na verdade cínico, a opinião de Juan sobre a revolta, “idealizada pelos que lêem livro à custo do sangue dos desfavorecidos”, é autobiográfica. A idéia de que o filme defende os pensamentos Mao Tsé-Tung (líder da revolução chinesa de 1911), cujo pensamento introduz o filme, rapidamente se esvaece; Leone era, sim, um seguidor dos ideais de Karl Marx (aquele que um dia disse: “prole de todo o mundo, uni-vos”.), fica mais claro no diálogo final da versão italiana: “para que a revolução não custe a sua vida, abaixe a cabeça”.

domingo, 11 de novembro de 2007

Deus e o Diabo na Terra do Sol

Brasil, 1964
Direção: Glauber Rocha

“O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!”
– Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa

Quase 30 anos se passaram desde a morte de Glauber Rocha, e o Brasil jamais foi presenteado com um cineasta tão polêmico; dirigiu filmes marginalizados em seus país, porém de repercussão internacional, conseguindo admiração de cineastas como Sergio Leone, Luis Buñuel, Jean-Luc Godard; os mesmos que o inspiraram, assim como o teatro de Bertolt Brecht e a literatura de Guimarães Rosa e José de Alencar. Sua relação com o cinema estava além das telas, sempre preocupado com questões populares, seus filmes faziam um papel de ciências sociais; dizia ser capaz de produzir filmes comerciais que atrairiam grande público, mas não era sua proposta. Não há um consenso quanto ao precursor do Cinema Novo, mas poucos discordam de que Glauber é o maior nome dessa escola.

Deus e o Diabo na Terra do Sol, de início, confunde-se com um documentário sobre a áspera vida nordestina: escassez natural, pobreza, emigração e o coronelismo. O primeiro plano é completamente preenchido pelo cenário sertanejo – que faz oposição ao último, que enquadra o mar –, Manoel (Geraldo Del Rey) é um trabalhador regido pelo coronelismo, ele é puramente emotivo e esperançoso; sua mulher, Rosa (Yoná Magalhães), é a razão que lhe falta, mais realista e até pessimista, fora levada a essa condição pelo que a terra a oferece, enquanto Manoel acredita que possa virar um fazendeiro ou plantar uma roça prolífera, ela acha isso apenas um sonho utópico, o sertão não tem isso a ofertar, só se pode contar com a força do trabalho braçal. A fase documental acaba quando o vaqueiro Manoel mata o seu patrão num ímpeto de violência, desprendendo-se do coronelismo. O que o motiva é um suposto sinal hierático de Sebastião (Lidio Silva), a quem ele se entrega contra vontade de sua esposa; sua nova regência é a fé cristã. Uma fé pungente, que custa o sangue dos inocentes. Tomamos parte da dor de Manoel na longa cena (quatro minutos e meio) em que, de joelhos e com uma pedra enorme sobre a cabeça, galga a escadaria do Monte Santo, Geraldo Del Rey fez questão de não usar uma rocha cenográfica para transmitir uma realidade dramática; depois de rodada a cena, Del Rey teve dois dias de folga para recompor-se e voltar as filmagens.

A influência do faroeste é encarnada no jagunço Antonio das Mortes (Maurício do Valle), caçador de recompensa encarregado de matar Sebastião, o religioso propenso a se tornar um novo Antonio Conselheiro (líder popular na Guerra dos Canudos que ganhou status messiânico; 1839–1897), o profeta se torna tão influente que angaria fiéis católicos prejudicando os donativos da igreja. O beato Sebastião é transformado em homem sacro pela câmera, que faz movimentos entre o céu e a sua imagem, da mesma forma o Monte Santo se torna um lugar auspicioso. Antonio das Mortes aparece na forma de herói para Rosa, justo no momento em que seu marido e Sebastião estão inexoravelmente unidos. O massacre no Monte Santo é uma clara referência à cena nas escadarias de Odessa, de O Encouraçado Potemkin, cujo diretor, Sergei Eisenstein, é o grande ídolo de Glauber Rocha; a montagem é fragmentada e parte do closer para os planos abertos, características eisenstenianas; a edição ainda faz a multiplicação de Antonio das Mortes transformando-o em exército. O que torna a alusão mais óbvia é o devoto atingido no olho.

As imagens têm poucos tons de cinza, o contraste entre o branco e o preto é muito forte, em vários momentos há superexposição de luz, como na cena em que Antonio das Mortes negocia com o padre e o fazendeiro na igreja (a luminosidade através da janela), ou na apresentação do campo da peleja entre o jagunço e o cangaceiro. Glauber quis retratar a flora regional, é importante saber que caatinga significa, etimologicamente, mato esbranquiçado, de origem tupi, isso porque a vegetação recebe uma coloração cinzento-parda na estação seca. É o preto no branco, como as xilogravuras que ilustram os cordéis, essa mesma técnica fora usada em Vidas Secas, de 1963, e seria em Cinema, Aspirinas e Urubus, de 2005. A cultura cordelista também é retratada nas músicas populares, com letras do diretor e melodias de Sérgio Ricardo, narram situações e biografam personalidades – como a morte da mãe de Manoel e a canção de Antonio das Mortes, respectivamente –, a mesma função comunicadora do cordel no sertão nordestino. O extremo erudito da trilha sonora está nas composições de Villa-Lobos, presentes nos êxtases de violência, religiosos ou amorosos – o beijo entre Corisco e Rosa.

Deus e o Diabo é marcado por rituais espirituais da religião católica e cultura africana: a conversão de Manoel para ser aceito por Sebastião, o sacrifício do inocente para lavar a alma dos pecadores, casamento, exorcismo, a encarnação de Lampião em Corisco, o batismo de Satanás, pactos etc. Alguns ritos são montados pelo cinema, Ismail Xavier cita a cena expressionista, após o massacre dos religiosos, em que as sombras do punhal de Rosa e do rifle de Antonio das Mortes se tocam, simbolizando a efetivação de sua promessa heróica, é como se ele dissesse: “Libertei o seu marido de Sebastião”. Mas uma liberdade efêmera, logo depois, novamente sem o consentimento da esposa, o vaqueiro se submete a uma pessoa: o cangaceiro Corisco. Othon Bastos é um cangaceiro vingativo, não só pela morte de Lampião e Padre Cícero, mas por questões políticas, a ordem já estabelecida, que divide o homem em pobres e tiranos, o leva ao anarquismo e à desordem. Minhas cenas favoritas são as que Othon olha diretamente ao espectador, numa delas ele encarna Lampião e tem a personalidade dividida, uma bela construção cinematográfica fraciona Corisco em metades.

No fim, a razão de Rosa prevalece; antes da batalha final, Manoel reconhece Sebastião como reles homem, e Corisco admite fraquezas em Lampião. Pela primeira vez ela tem poder sobre o esposo e recebe dele a decisão sobre o futuro do casal: fugir ou permanecer no cangaço. O matador mais uma vez dá liberdade aos cônjuges assassinando o cangaceiro. A saga de Corisco se encerra; a de Antonio das Mortes continuaria em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, 1969; a epopéia de Manoel e Rosa é infinita, como em Grande Sertão: Veredas. No fim, a terra do sol não é de Deus nem do diabo, é do homem. É assim o Brasil que Glauber almejou.

sábado, 6 de outubro de 2007

Psicose

Psycho
EUA,1960
Direção: Alfred Hitchcock

–O melhor amigo de um garoto é a sua mãe.

A década de 1960 foi a precursora da psicose no cinema, alguns estudiosos atribuem a isso a difusão das teorias freudianas acerca da esquizofrenia, também é cria dessa popularização Cabo do Medo (Cape of Fear, 1962). Há uma frase da psicanálise que sintetiza perfeitamente Psicose: “Dentro de você há um lado sombrio, seria um horror maior conhecê-lo”. Norman Bates não só o conheceu como manifestou.

O romance de Robert Bloch, no qual foi baseado o filme, apresenta um Norman Bates velho, feio, desagradável e de maus hábitos, exatamente o oposto do personagem de Hitchcock, para o diretor, um vilão é alguém agradável, “...senão, como ele chegaria até as suas vítimas?”. Baseado na verídica série de assassinatos do taxidermista Ed Gein, (que futuramente inspiraria Leatherface, de O Massacre da Serra Elétrica e Hannibal Lecter, de O Silêncio dos Inocentes), Norman Bates (Anthony Perkins) tenta se redimir do homicídio da própria mãe, que compunha junto com ele toda a sua vida, e agora divide sua personalidade com ela. Recebe em seu isolado motel a jovem Marion Crane (Janet Leight), que a princípio nos é apresentada como uma jovem imaculada de lingerie branca, a mudança que descobrimos nela se manifesta no figurino: após o roubo 40 mil dólares, ela usa roupa íntima preta. Mas é um crime passional, sua pretensão é poder viver ao lado do amante divorciado, por isso ela se encaixa nos padrões de “mocinho” do cineasta, sempre perseguido injustamente, é assim em O Pensionista, Intriga Internacional, Frenesi e outros. François Truffaut já chamara a atenção de Hitchcock como um diretor que dirigiu o mesmo filme várias vezes.

Em uma saleta da hospedaria, temos uma prévia involuntária de Os Pássaros (The Birds, 1963), as aves embalsamadas compõem o segundo plano dos close-ups em Bates, revelando sua personalidade soturna. Marion tem uma dosagem acentuada de vilania, outra marca registrada de Hitchcock é tornar uma nuança a diferença entre o mal e o bem, ele dizia que “todos somos maculados pelo pecado original”; Marion é castigada com uma morte prematura – uma subversão aos padrões de roteiro que até hoje dificilmente traz o óbito de um personagem principal ainda na primeira metade da película. Mas antes, somos espectadores de uma outra particularidade do cineasta: colocar a polícia como algo inconveniente, o onipresente agente rodoviário no encalço da ladra; deve-se a isso uma brincadeira do pai de Hitchcock que o levou à prisão como uma forma de castigo, um trauma que ele levaria às telas do cinema. É também nas rodovias que somos testemunhas da psicose de Marion, os primeiros diálogos enquanto dirige são lembranças; na outra cena, depois de trocar o carro, são devaneios.

A cena do chuveiro é hoje uma das mais lembradas, e merecidamente. Um balé de edição de 45 segundos, 90 planos, 70 posições de câmera, dois atores e um diretor brilhantes; adicione ao lance a orquestra de Bernard Herrmann. Na maioria das vezes, a música original só reafirma as imagens, Herrmann transcende o suspense. Hitchcock disse que, de tudo o que é expresso em Psicose, ⅓ é por meio da orquestra. Após a limpeza do crime, em mais de 10 minutos de silêncio, nossa afinidade vai para Bates. Inconscientemente ou não, torcemos para que o carro com a prova do crime afunde por completo no pântano. Anthony Perkins é um jovem cortês, simpático e gagueja com as interrogações do detetive particular, se tivesse as mesmas características do Bates do livro de Robert Bloch, o filme tomaria outro rumo em nosso subconsciente.

O cineasta Howard Hawks definiu um bom filme como aquele que tem três grandes momentos e nenhum ruim. Psicose não se encaixa nesse conceito: uma das últimas cenas, em que o psicólogo explica a situação de Norman Bates, é uma tagarelice desnecessária, é duvidar de que o público possa entender e precisa de uma síntese. O mestre do suspense nunca registrou uma explicação sobre essa cena, que recebeu vários comentários negativos, e até onde se sabe jamais foi questionado sobre. Truffaut, em seu clássico livro-entrevista com Hitchcock, cordialmente omitiu a pergunta.

Hitchcock fez de tudo para manter em segredo o desfecho de Psicose: não permitiu as sessões prévias da imprensa (tivera experiências frustrantes com Rebecca, a Mulher Inesquecível, de 1940, e Suspeita, de 1941, em que a mídia revelou a conclusão da trama), comprou várias edições do livro e proibiu a entrada de pessoas depois de iniciado o filme, “Alfred Hitchcock insiste: depois de ver Psicose, por favor, não conte aos seus amigos os segredos chocantes”, diziam os cartazes; tudo para garantir a surpresa à platéia. Hoje, é um filme tão difundido, satirizado e até plagiado que parece ter perdido o ineditismo. Nos primeiros minutos, já é previsível que não se trata de uma perseguição policial a fim de recuperar o dinheiro roubado, a espera pela cena do chuveiro causa muito mais ansiedade. Mas é um filme que continua chocando e inspirando as gerações atuais.

Guia de Mitos Psicose
Com o tempo, vários rumores foram criados acerca de Psicose, alguns se confirmam. Cito aqui os principais.


Hitchcock proibiu o presidente dos EUA e a Rainha da Inglaterra de assistirem ao filme: falso. Houve um mal entendido que teve uma boa repercussão, trata-se de um dos cartazes espalhados pelos grandes cinemas americanos (veja a foto acima); traduzindo: “Não permitiremos você se enganar! Você deve assistir a Psicose do início ao fim para total proveito. Então, não espere ser admitido no cinema após o início de cada exibição do filme. Dizemos ninguém – e queremos dizer ninguém – nem mesmo o irmão do gerente, o presidente dos EUA ou a Rainha da Inglaterra (Deus a abençoe)!”.

Os seios da atriz aparecem na cena do chuveiro: verdadeiro. Quando ela fecha a cortina, é possível ver através do plástico translúcido. Em outro momento, durante o ataque, é possível ver um dos mamilos no canto inferior direito da tela, o que ultrapassa os limites de censura da época em que o filme foi rodado. Porém é quase imperceptível; com o DVD, assistindo quadro a quadro, é fácil ver. Apesar de tudo, não se trata de Janet Leigh, recentemente ela disse ter sido substituída por uma dublê nessa cena.

O filme foi gravado em preto-e-branco por falta de orçamento: falso. É verdade que o diretor queria um trabalho pouco custoso, até dispensou a equipe da Universal e usou a do seu programa de TV, Alfred Hitchcock Presents, concluiu a película com apenas 800 mil dólares, uma bagatela para os padrões hollywoodianos, mesmo na época. O motivo era que algumas cenas, se filmadas em cores, poderiam ficar muito sanguinolentas, e esse não era o objetivo.

O sangue usado na cena do chuveiro é chocolate: verdadeiro. Também foi testado ketchup, mas a calda do chocolate Bosco, uma marca americana popular, tinha a consistência mais parecida com a de sangue. Nenhum problema para um filme preto-e-branco.

Há uma imagem subliminar de uma caveira sob o rosto de Perkins: verdadeiro. Mas não é nenhuma técnica de persuasão. No fim da última cena em que aparece Norman Bates, na transição para o momento em que se desatola o carro do pântano, o crânio da mãe de Bates é sobreposto, mas é difícil perceber; os dentes são a parte mais visível.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Tiresia

Tiresia
França/Canadá, 2003
Direção: Bertrand Bonello


Abertura de Tiresia

Só a introdução de Tiresia prende a atenção do espectador prometendo-lhe um belo filme. Bonello se abstém dos créditos iniciais, somente o magma vulcânico preenche a tela. Lava é uma substância transformadora e transformável, mote principal do filme. Mais atraente ainda é disparidade com a esplêndida Sétima Sinfonia de Beethoven, que de início é mais serena e quando chega à fase mais arrebatadora é sincronizada com a imagem tranqüila de Tiresia. A mesma música faz parte da trilha sonora de Irreversível (Irréversible, 2002), outro título francês que fala de mudanças.

Terranova (Laurent Lucas) é definido na primeira cena em que aparece: um homem que vai ao museu de arte admirar esculturas de pessoas despidas. Ele vai às ruas periféricas de Paris, local freqüentado por transformistas, vários deles brasileiros; Terranova é atraido pelo recluso Tiresia (de agora em diante tratada pelo gênero feminino), que fugiu da pobreza das favelas brasileiras e vive da prostituição na França junto com o proxeneta Eduardo, seu irmão. O objetivo de sua busca não é meramente o michê, ele tem pretensões mais poéticas; ele seqüestra Tiresia e a mantém presa no porão de sua casa para admirar os dois sexos que habitam o corpo, é um voyeur casto. A cena mais contundente e polêmica é a que o travesti, em revolta, revela o pênis para o observador, nos fóruns de discussões do filme – que são poucos, haja vista sua pouca popularidade –, a questão mais comum é sobre a sexualidade do ator, na verdade, da atriz, Clara Choveaux; foi usado um pênis postiço, duas próteses entraram em cena, uma relaxada e outra ereta, usada em um manage a trois. Clara está em seu segundo filme e faz uma ótima atuação; seu primeiro filme, também dirigido por Bertrand Bonello, foi O Pornógrafo (Le Pornographe, 2001).

O enredo de Tiresia pode parecer pouco claro, isso porque é baseado no mito grego de Tirésias e não há nenhum aviso prévio sobre essa questão, o que seria praxe do cinema americano: temos a definição de pulp em Pulp Fiction, de poltergeist em Poltergeist, o Fenômeno... No cinema europeu, normalmente, essas informações são implícitas. No mito, Tirésias ia ao templo fazer sua oração diária, no caminho viu um casal de cobras copulando, ele interrompeu o ato jogando uma pedra na cobra fêmea e miticamente tornou-se uma mulher. Virou uma famosa prostituta e, anos depois, percorrendo o mesmo caminho, assistiu a outro casal de répteis acasalando e novamente interrompeu o ato, atirando uma pedra, desta vez, na cobra macho, então Tirésias voltou ao sexo original. As mesmas mudanças pelas quais passam a personagem do filme.

Privada dos hormônios que a mantém com as definições femininas, Tiresia engrossa a voz e volta a ter barba para o desprazer de Terranova. O animal de estimação no jardim desflorescido, morto a um golpe de pá, é o sinal da mudança que sofreu Terranova e o mau agouro iminente. Ele descarta sua refém, mas antes a cega furando seus olhos. Doravante Tiresia “volta” a ser homem e faz premonições. No mito heleno, Zeus e Hera discutiam acerca de relações sexuais e não chegaram a consenso sobre qual sexo sentia mais prazer durante a transa; decidiram dar o veredicto a Tirésias, que viveu as duas experiências. Ele respondeu que foi a mulher, Hera recebe a reposta com indignação, tendo em vista que o homem dá prazer à mulher, como castigo, cega-o; Zeus, grato pela resposta e em caráter de compadecimento, recompensa-o dando-lhe o dom da premonição. Tirésias seria um dos maiores oráculos gregos.

A segunda fase do mito é apresentada pelo com mudanças radicais: Tiresia passa a ser interpretado por outro ator, Thiago Teles, também brasileiro; Laurent Lucas, agora, encena sob o nome de Padre François, o que pode causar certo embaraço, algumas críticas dizem que são o mesmo personagem, Terranova é esquizofrênico ou talvez sofreu mudanças bruscas, mas os créditos realmente apontam para personagens distintos. Laurent Lucas encena o que é o oposto do seu primeiro personagem, um padre que passa muito tempo em jardim florido, talvez daí venha a confusão. Foi um belo método de brincar com as dualidades encontrado por Bonello.