quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Quando Explode a Vingança

Giù la Testa
Itália, 1971
Direção: Sergio Leone

Sergio Leone, que se consagrou com a com a trilogia do dólar e Era uma Vez no Oeste, abandona o estereótipo do forasteiro sem nome que pretende fazer vingança com as próprias mãos e lança Quando Explode a Vingança, filme bem mais ousado, com uma visão peculiar da revolução. O cenário é a Revolução Mexicana, encabeçada por Porfírio Díaz (1830-1915), governador despótico que, por meio de fraude eleitoral, permaneceu no governo por mais de 30 anos, trouxe desenvolvimento industrial ao México à custa de opressão às classes pobres. Em 1911 foi derrotado por Francisco Madero (1873-1913), mártir político que defendia a reforma agrária e redemocratização do país. Dois anos depois, Victoriano Huerta (1854-1916), apoiado pela aristocracia latifundiária e investidores estrangeiros, aplicaria um golpe militar e subiria ao poder, colocando a nação em um rígido regime militar. As principais frentes populares contra a tirania foram formadas por Emiliano Zapata e Pancho Villa, “que tem colhões de búfalos”; na película de Leone temos a fictícia dupla quixotesca Juan e John.

Rod Steiger e James Coburn estão no melhor de sua fase; interpretam, respectivamente, Juan e John. Juan é um caipira, cuja família é sua pátria, embora seja anti-revolucionário – a revolução é idealizada por quem ler livros, mas custa o sangue dos pobres –, combate os abastados capitalistas forasteiros assaltando-os, é um personagem pícaro e carismático, apesar de rude. John é um especialista em dinamites, ex-integrante do IRA (Exército Republicano Irlandês, força armada civil que lutou pela liberdade religiosa e separação da Irlanda do Reino Unido). Descrê na insurreição devido à frustração que tivere em seu país. Como os anônimos de Era uma Vez e Por uns Dólares a Mais, conhecemos o passado do dinamiteiro pelas suas memórias, seu último devaneio, nas ânsias da morte, é a cena mais intrigante, parece ser a noção que ele tem do paraíso, ao lado de amigos, em uma relação libertina. Devido ao fardo que carrega pela morte do amigo e o suicídeo do Dr. Villega, os perdoa.

O desentendimento da dupla garante o bom humor, pelo menos até o filme tomar um tom mais melancólico, algumas cenas parecem oriundas dos cartuns, como Juan olhando através do sombrero furado e o chapéu sobre o cavalo após o sumiço de John, mas a melhor delas é quando o ladrão de galinhas vê no irlandês a possibilidade de alcançar o seu santo graal, o Banco Nacional de Mesa Verde, e o banner aparece sobre sua cabeça acompanhado de um coro de igreja. Até Ennio Morricone, que assina as composições, faz as vezes de humorista, o tema de Juan com o ruído “uóp, uóp” – inspirado no som que faz um estômago faminto – e a música executada no assalto ao banco são hilariantes.

Uma das marcas de Leone são as citações religiosas, como a nitroglicerina de John chamada água benta e a estátua sacra sobre a imagem do Banco de Mesa Verde. Depois do massacre na Gruta de Santo Isidoro, Juan se torna apátrida e perde a crença religiosa, arranca o crucifixo do seu pescoço e joga-o no chão. A idéia ateísta parece prevalecer, principalmente na cena em que Juan é seqüestrado: antes de ser fuzilado, ele olha para o céu e não tem resposta divina; quando olha pro horizonte, vê seu amigo a fim de resgatá-lo, no fim, entretanto, John busca restaurar sua fé devolvendo-lhe o colar. Comida também sempre está presente nos filmes de Leone, mas em Quando Explode a Vingança ele mostra maturidade e a insere no contexto da rebelião, logo na primeira cena, no interior da charrete, caracteriza os burgueses americanos com a comilança. E o Coronel Gunther Ruiz bebendo ovo cru? Uma clara alusão ao bordão “não se fazem omeletes sem quebrar ovos”, que pode ser parafraseado: “não há revolução sem morte”.

Quem conhece bem esta obra deve ter conhecimento dos vários títulos pela qual é conhecida. Estreou na Itália sob o nome de Giù la Testa (Abaixe a Cabeça), do próprio Leone; chegou aos Estados Unidos como Duck you Sucker (algo como Abaixe-se, Idiota), talvez por ter sido considerado vulgar, trataram de trocar para um nome mais comercial: A Fistful of Dynamite (Um Punhado de Dinamite), que lembra o sucesso Por um Punhado de Dólares; na França a referência foi a Era uma Vez no Oeste, Il Était une Fois... la Révolution (Era uma Vez... a Revolução). Os brasileiros deram um título que limita a noção que se possa ter do filme, o pior de todos, sem mais comentários, o nome em Portugal, Aguenta-te, Canalha, é mais condizendo ao contexto. O fracasso comercial de Quando Explode a Vingança pode ser atribuído ao título americano insatisfatório e à versão em VHS, a única disponível até dois anos atrás, que cortou várias cenas e tornou-o incompreensível. A versão em DVD veio sem cortes, e com o título Duck you Sucker, nos Estados Unidos.

Leone, dito por alguns cineasta apolítico, é na verdade cínico, a opinião de Juan sobre a revolta, “idealizada pelos que lêem livro à custo do sangue dos desfavorecidos”, é autobiográfica. A idéia de que o filme defende os pensamentos Mao Tsé-Tung (líder da revolução chinesa de 1911), cujo pensamento introduz o filme, rapidamente se esvaece; Leone era, sim, um seguidor dos ideais de Karl Marx (aquele que um dia disse: “prole de todo o mundo, uni-vos”.), fica mais claro no diálogo final da versão italiana: “para que a revolução não custe a sua vida, abaixe a cabeça”.

domingo, 11 de novembro de 2007

Deus e o Diabo na Terra do Sol

Brasil, 1964
Direção: Glauber Rocha

“O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!”
– Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa

Quase 30 anos se passaram desde a morte de Glauber Rocha, e o Brasil jamais foi presenteado com um cineasta tão polêmico; dirigiu filmes marginalizados em seus país, porém de repercussão internacional, conseguindo admiração de cineastas como Sergio Leone, Luis Buñuel, Jean-Luc Godard; os mesmos que o inspiraram, assim como o teatro de Bertolt Brecht e a literatura de Guimarães Rosa e José de Alencar. Sua relação com o cinema estava além das telas, sempre preocupado com questões populares, seus filmes faziam um papel de ciências sociais; dizia ser capaz de produzir filmes comerciais que atrairiam grande público, mas não era sua proposta. Não há um consenso quanto ao precursor do Cinema Novo, mas poucos discordam de que Glauber é o maior nome dessa escola.

Deus e o Diabo na Terra do Sol, de início, confunde-se com um documentário sobre a áspera vida nordestina: escassez natural, pobreza, emigração e o coronelismo. O primeiro plano é completamente preenchido pelo cenário sertanejo – que faz oposição ao último, que enquadra o mar –, Manoel (Geraldo Del Rey) é um trabalhador regido pelo coronelismo, ele é puramente emotivo e esperançoso; sua mulher, Rosa (Yoná Magalhães), é a razão que lhe falta, mais realista e até pessimista, fora levada a essa condição pelo que a terra a oferece, enquanto Manoel acredita que possa virar um fazendeiro ou plantar uma roça prolífera, ela acha isso apenas um sonho utópico, o sertão não tem isso a ofertar, só se pode contar com a força do trabalho braçal. A fase documental acaba quando o vaqueiro Manoel mata o seu patrão num ímpeto de violência, desprendendo-se do coronelismo. O que o motiva é um suposto sinal hierático de Sebastião (Lidio Silva), a quem ele se entrega contra vontade de sua esposa; sua nova regência é a fé cristã. Uma fé pungente, que custa o sangue dos inocentes. Tomamos parte da dor de Manoel na longa cena (quatro minutos e meio) em que, de joelhos e com uma pedra enorme sobre a cabeça, galga a escadaria do Monte Santo, Geraldo Del Rey fez questão de não usar uma rocha cenográfica para transmitir uma realidade dramática; depois de rodada a cena, Del Rey teve dois dias de folga para recompor-se e voltar as filmagens.

A influência do faroeste é encarnada no jagunço Antonio das Mortes (Maurício do Valle), caçador de recompensa encarregado de matar Sebastião, o religioso propenso a se tornar um novo Antonio Conselheiro (líder popular na Guerra dos Canudos que ganhou status messiânico; 1839–1897), o profeta se torna tão influente que angaria fiéis católicos prejudicando os donativos da igreja. O beato Sebastião é transformado em homem sacro pela câmera, que faz movimentos entre o céu e a sua imagem, da mesma forma o Monte Santo se torna um lugar auspicioso. Antonio das Mortes aparece na forma de herói para Rosa, justo no momento em que seu marido e Sebastião estão inexoravelmente unidos. O massacre no Monte Santo é uma clara referência à cena nas escadarias de Odessa, de O Encouraçado Potemkin, cujo diretor, Sergei Eisenstein, é o grande ídolo de Glauber Rocha; a montagem é fragmentada e parte do closer para os planos abertos, características eisenstenianas; a edição ainda faz a multiplicação de Antonio das Mortes transformando-o em exército. O que torna a alusão mais óbvia é o devoto atingido no olho.

As imagens têm poucos tons de cinza, o contraste entre o branco e o preto é muito forte, em vários momentos há superexposição de luz, como na cena em que Antonio das Mortes negocia com o padre e o fazendeiro na igreja (a luminosidade através da janela), ou na apresentação do campo da peleja entre o jagunço e o cangaceiro. Glauber quis retratar a flora regional, é importante saber que caatinga significa, etimologicamente, mato esbranquiçado, de origem tupi, isso porque a vegetação recebe uma coloração cinzento-parda na estação seca. É o preto no branco, como as xilogravuras que ilustram os cordéis, essa mesma técnica fora usada em Vidas Secas, de 1963, e seria em Cinema, Aspirinas e Urubus, de 2005. A cultura cordelista também é retratada nas músicas populares, com letras do diretor e melodias de Sérgio Ricardo, narram situações e biografam personalidades – como a morte da mãe de Manoel e a canção de Antonio das Mortes, respectivamente –, a mesma função comunicadora do cordel no sertão nordestino. O extremo erudito da trilha sonora está nas composições de Villa-Lobos, presentes nos êxtases de violência, religiosos ou amorosos – o beijo entre Corisco e Rosa.

Deus e o Diabo é marcado por rituais espirituais da religião católica e cultura africana: a conversão de Manoel para ser aceito por Sebastião, o sacrifício do inocente para lavar a alma dos pecadores, casamento, exorcismo, a encarnação de Lampião em Corisco, o batismo de Satanás, pactos etc. Alguns ritos são montados pelo cinema, Ismail Xavier cita a cena expressionista, após o massacre dos religiosos, em que as sombras do punhal de Rosa e do rifle de Antonio das Mortes se tocam, simbolizando a efetivação de sua promessa heróica, é como se ele dissesse: “Libertei o seu marido de Sebastião”. Mas uma liberdade efêmera, logo depois, novamente sem o consentimento da esposa, o vaqueiro se submete a uma pessoa: o cangaceiro Corisco. Othon Bastos é um cangaceiro vingativo, não só pela morte de Lampião e Padre Cícero, mas por questões políticas, a ordem já estabelecida, que divide o homem em pobres e tiranos, o leva ao anarquismo e à desordem. Minhas cenas favoritas são as que Othon olha diretamente ao espectador, numa delas ele encarna Lampião e tem a personalidade dividida, uma bela construção cinematográfica fraciona Corisco em metades.

No fim, a razão de Rosa prevalece; antes da batalha final, Manoel reconhece Sebastião como reles homem, e Corisco admite fraquezas em Lampião. Pela primeira vez ela tem poder sobre o esposo e recebe dele a decisão sobre o futuro do casal: fugir ou permanecer no cangaço. O matador mais uma vez dá liberdade aos cônjuges assassinando o cangaceiro. A saga de Corisco se encerra; a de Antonio das Mortes continuaria em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, 1969; a epopéia de Manoel e Rosa é infinita, como em Grande Sertão: Veredas. No fim, a terra do sol não é de Deus nem do diabo, é do homem. É assim o Brasil que Glauber almejou.

sábado, 6 de outubro de 2007

Psicose

Psycho
EUA,1960
Direção: Alfred Hitchcock

–O melhor amigo de um garoto é a sua mãe.

A década de 1960 foi a precursora da psicose no cinema, alguns estudiosos atribuem a isso a difusão das teorias freudianas acerca da esquizofrenia, também é cria dessa popularização Cabo do Medo (Cape of Fear, 1962). Há uma frase da psicanálise que sintetiza perfeitamente Psicose: “Dentro de você há um lado sombrio, seria um horror maior conhecê-lo”. Norman Bates não só o conheceu como manifestou.

O romance de Robert Bloch, no qual foi baseado o filme, apresenta um Norman Bates velho, feio, desagradável e de maus hábitos, exatamente o oposto do personagem de Hitchcock, para o diretor, um vilão é alguém agradável, “...senão, como ele chegaria até as suas vítimas?”. Baseado na verídica série de assassinatos do taxidermista Ed Gein, (que futuramente inspiraria Leatherface, de O Massacre da Serra Elétrica e Hannibal Lecter, de O Silêncio dos Inocentes), Norman Bates (Anthony Perkins) tenta se redimir do homicídio da própria mãe, que compunha junto com ele toda a sua vida, e agora divide sua personalidade com ela. Recebe em seu isolado motel a jovem Marion Crane (Janet Leight), que a princípio nos é apresentada como uma jovem imaculada de lingerie branca, a mudança que descobrimos nela se manifesta no figurino: após o roubo 40 mil dólares, ela usa roupa íntima preta. Mas é um crime passional, sua pretensão é poder viver ao lado do amante divorciado, por isso ela se encaixa nos padrões de “mocinho” do cineasta, sempre perseguido injustamente, é assim em O Pensionista, Intriga Internacional, Frenesi e outros. François Truffaut já chamara a atenção de Hitchcock como um diretor que dirigiu o mesmo filme várias vezes.

Em uma saleta da hospedaria, temos uma prévia involuntária de Os Pássaros (The Birds, 1963), as aves embalsamadas compõem o segundo plano dos close-ups em Bates, revelando sua personalidade soturna. Marion tem uma dosagem acentuada de vilania, outra marca registrada de Hitchcock é tornar uma nuança a diferença entre o mal e o bem, ele dizia que “todos somos maculados pelo pecado original”; Marion é castigada com uma morte prematura – uma subversão aos padrões de roteiro que até hoje dificilmente traz o óbito de um personagem principal ainda na primeira metade da película. Mas antes, somos espectadores de uma outra particularidade do cineasta: colocar a polícia como algo inconveniente, o onipresente agente rodoviário no encalço da ladra; deve-se a isso uma brincadeira do pai de Hitchcock que o levou à prisão como uma forma de castigo, um trauma que ele levaria às telas do cinema. É também nas rodovias que somos testemunhas da psicose de Marion, os primeiros diálogos enquanto dirige são lembranças; na outra cena, depois de trocar o carro, são devaneios.

A cena do chuveiro é hoje uma das mais lembradas, e merecidamente. Um balé de edição de 45 segundos, 90 planos, 70 posições de câmera, dois atores e um diretor brilhantes; adicione ao lance a orquestra de Bernard Herrmann. Na maioria das vezes, a música original só reafirma as imagens, Herrmann transcende o suspense. Hitchcock disse que, de tudo o que é expresso em Psicose, ⅓ é por meio da orquestra. Após a limpeza do crime, em mais de 10 minutos de silêncio, nossa afinidade vai para Bates. Inconscientemente ou não, torcemos para que o carro com a prova do crime afunde por completo no pântano. Anthony Perkins é um jovem cortês, simpático e gagueja com as interrogações do detetive particular, se tivesse as mesmas características do Bates do livro de Robert Bloch, o filme tomaria outro rumo em nosso subconsciente.

O cineasta Howard Hawks definiu um bom filme como aquele que tem três grandes momentos e nenhum ruim. Psicose não se encaixa nesse conceito: uma das últimas cenas, em que o psicólogo explica a situação de Norman Bates, é uma tagarelice desnecessária, é duvidar de que o público possa entender e precisa de uma síntese. O mestre do suspense nunca registrou uma explicação sobre essa cena, que recebeu vários comentários negativos, e até onde se sabe jamais foi questionado sobre. Truffaut, em seu clássico livro-entrevista com Hitchcock, cordialmente omitiu a pergunta.

Hitchcock fez de tudo para manter em segredo o desfecho de Psicose: não permitiu as sessões prévias da imprensa (tivera experiências frustrantes com Rebecca, a Mulher Inesquecível, de 1940, e Suspeita, de 1941, em que a mídia revelou a conclusão da trama), comprou várias edições do livro e proibiu a entrada de pessoas depois de iniciado o filme, “Alfred Hitchcock insiste: depois de ver Psicose, por favor, não conte aos seus amigos os segredos chocantes”, diziam os cartazes; tudo para garantir a surpresa à platéia. Hoje, é um filme tão difundido, satirizado e até plagiado que parece ter perdido o ineditismo. Nos primeiros minutos, já é previsível que não se trata de uma perseguição policial a fim de recuperar o dinheiro roubado, a espera pela cena do chuveiro causa muito mais ansiedade. Mas é um filme que continua chocando e inspirando as gerações atuais.

Guia de Mitos Psicose
Com o tempo, vários rumores foram criados acerca de Psicose, alguns se confirmam. Cito aqui os principais.


Hitchcock proibiu o presidente dos EUA e a Rainha da Inglaterra de assistirem ao filme: falso. Houve um mal entendido que teve uma boa repercussão, trata-se de um dos cartazes espalhados pelos grandes cinemas americanos (veja a foto acima); traduzindo: “Não permitiremos você se enganar! Você deve assistir a Psicose do início ao fim para total proveito. Então, não espere ser admitido no cinema após o início de cada exibição do filme. Dizemos ninguém – e queremos dizer ninguém – nem mesmo o irmão do gerente, o presidente dos EUA ou a Rainha da Inglaterra (Deus a abençoe)!”.

Os seios da atriz aparecem na cena do chuveiro: verdadeiro. Quando ela fecha a cortina, é possível ver através do plástico translúcido. Em outro momento, durante o ataque, é possível ver um dos mamilos no canto inferior direito da tela, o que ultrapassa os limites de censura da época em que o filme foi rodado. Porém é quase imperceptível; com o DVD, assistindo quadro a quadro, é fácil ver. Apesar de tudo, não se trata de Janet Leigh, recentemente ela disse ter sido substituída por uma dublê nessa cena.

O filme foi gravado em preto-e-branco por falta de orçamento: falso. É verdade que o diretor queria um trabalho pouco custoso, até dispensou a equipe da Universal e usou a do seu programa de TV, Alfred Hitchcock Presents, concluiu a película com apenas 800 mil dólares, uma bagatela para os padrões hollywoodianos, mesmo na época. O motivo era que algumas cenas, se filmadas em cores, poderiam ficar muito sanguinolentas, e esse não era o objetivo.

O sangue usado na cena do chuveiro é chocolate: verdadeiro. Também foi testado ketchup, mas a calda do chocolate Bosco, uma marca americana popular, tinha a consistência mais parecida com a de sangue. Nenhum problema para um filme preto-e-branco.

Há uma imagem subliminar de uma caveira sob o rosto de Perkins: verdadeiro. Mas não é nenhuma técnica de persuasão. No fim da última cena em que aparece Norman Bates, na transição para o momento em que se desatola o carro do pântano, o crânio da mãe de Bates é sobreposto, mas é difícil perceber; os dentes são a parte mais visível.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Tiresia

Tiresia
França/Canadá, 2003
Direção: Bertrand Bonello


Abertura de Tiresia

Só a introdução de Tiresia prende a atenção do espectador prometendo-lhe um belo filme. Bonello se abstém dos créditos iniciais, somente o magma vulcânico preenche a tela. Lava é uma substância transformadora e transformável, mote principal do filme. Mais atraente ainda é disparidade com a esplêndida Sétima Sinfonia de Beethoven, que de início é mais serena e quando chega à fase mais arrebatadora é sincronizada com a imagem tranqüila de Tiresia. A mesma música faz parte da trilha sonora de Irreversível (Irréversible, 2002), outro título francês que fala de mudanças.

Terranova (Laurent Lucas) é definido na primeira cena em que aparece: um homem que vai ao museu de arte admirar esculturas de pessoas despidas. Ele vai às ruas periféricas de Paris, local freqüentado por transformistas, vários deles brasileiros; Terranova é atraido pelo recluso Tiresia (de agora em diante tratada pelo gênero feminino), que fugiu da pobreza das favelas brasileiras e vive da prostituição na França junto com o proxeneta Eduardo, seu irmão. O objetivo de sua busca não é meramente o michê, ele tem pretensões mais poéticas; ele seqüestra Tiresia e a mantém presa no porão de sua casa para admirar os dois sexos que habitam o corpo, é um voyeur casto. A cena mais contundente e polêmica é a que o travesti, em revolta, revela o pênis para o observador, nos fóruns de discussões do filme – que são poucos, haja vista sua pouca popularidade –, a questão mais comum é sobre a sexualidade do ator, na verdade, da atriz, Clara Choveaux; foi usado um pênis postiço, duas próteses entraram em cena, uma relaxada e outra ereta, usada em um manage a trois. Clara está em seu segundo filme e faz uma ótima atuação; seu primeiro filme, também dirigido por Bertrand Bonello, foi O Pornógrafo (Le Pornographe, 2001).

O enredo de Tiresia pode parecer pouco claro, isso porque é baseado no mito grego de Tirésias e não há nenhum aviso prévio sobre essa questão, o que seria praxe do cinema americano: temos a definição de pulp em Pulp Fiction, de poltergeist em Poltergeist, o Fenômeno... No cinema europeu, normalmente, essas informações são implícitas. No mito, Tirésias ia ao templo fazer sua oração diária, no caminho viu um casal de cobras copulando, ele interrompeu o ato jogando uma pedra na cobra fêmea e miticamente tornou-se uma mulher. Virou uma famosa prostituta e, anos depois, percorrendo o mesmo caminho, assistiu a outro casal de répteis acasalando e novamente interrompeu o ato, atirando uma pedra, desta vez, na cobra macho, então Tirésias voltou ao sexo original. As mesmas mudanças pelas quais passam a personagem do filme.

Privada dos hormônios que a mantém com as definições femininas, Tiresia engrossa a voz e volta a ter barba para o desprazer de Terranova. O animal de estimação no jardim desflorescido, morto a um golpe de pá, é o sinal da mudança que sofreu Terranova e o mau agouro iminente. Ele descarta sua refém, mas antes a cega furando seus olhos. Doravante Tiresia “volta” a ser homem e faz premonições. No mito heleno, Zeus e Hera discutiam acerca de relações sexuais e não chegaram a consenso sobre qual sexo sentia mais prazer durante a transa; decidiram dar o veredicto a Tirésias, que viveu as duas experiências. Ele respondeu que foi a mulher, Hera recebe a reposta com indignação, tendo em vista que o homem dá prazer à mulher, como castigo, cega-o; Zeus, grato pela resposta e em caráter de compadecimento, recompensa-o dando-lhe o dom da premonição. Tirésias seria um dos maiores oráculos gregos.

A segunda fase do mito é apresentada pelo com mudanças radicais: Tiresia passa a ser interpretado por outro ator, Thiago Teles, também brasileiro; Laurent Lucas, agora, encena sob o nome de Padre François, o que pode causar certo embaraço, algumas críticas dizem que são o mesmo personagem, Terranova é esquizofrênico ou talvez sofreu mudanças bruscas, mas os créditos realmente apontam para personagens distintos. Laurent Lucas encena o que é o oposto do seu primeiro personagem, um padre que passa muito tempo em jardim florido, talvez daí venha a confusão. Foi um belo método de brincar com as dualidades encontrado por Bonello.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Pulp Fiction – Tempo de Violência

Pulp Fiction
EUA, 1994
Direção: Quentin Tarantino

A ordem dos fatos em Pulp Fiction é o que mais nos surpreende, a edição que o tornou o filme mais influente da década de 1990. Amnésia (Memento, 2000), Amores Brutos (Amores Perros, 2000) Sin City (Sin City, 2005) e vários outros filmes que brincam com a ordem cronológica receberam influências diretas de Pulp Fiction. Mas foi o roteiro que o consagrou como um dos grandes filmes de todos os tempos. Humor mordaz, muita menção à cultura pop e diálogos afinados, em que gângsteres conversam sobre sanduíche, televisão e massagem nos pés, “Nós não falamos sobre enredos nas nossas vidas. Gângsteres não falam somente sobre o enredo de suas vidas e pulem balas, enquanto conversam sobre assassinato”, diz Tarantino. Roteiro que foi visceral para o cinema dos anos 90, Fargo (1996), Boogie Nights (1997) beberam desse conteúdo. Ao contrário da ordem dos fatos, os diálogos estão seqüencialmente ordenados, tudo o que é dito é alicerce do que virá ou desenlace do que foi dito. Isso refuta a teoria de que a edição não foi previamente planejada, só depois das filmagens resolveram inverter.

No Brasil, a versão em DVD (distribuída pela Miramax) ganhou uma parca tradução, causando uma perda substancial da qualidade do filme, alguns fatores contribuem, como a linguagem marginal dos personagens, que dificilmente é adaptada para outras línguas; ainda há trocadilhos que só fazem sentido em inglês, como o desfecho da piada de Mia Wallace (Uma Thurman): “Ketchup”. O texto original é Catch Up – pronúncia parecida com a de ketchup – traduzindo, algo como "Alcancei" [o bebê tomate que ficava para trás], mas a piada continua sem graça. E a francesa Fabienne (Maria de Medeiros) que se olha no espelho e deseja ter uma bola (?). Na verdade, ela quer “a pot... a pot belly”, pot é gíria para haxixe, e pot belly, para barrigão. Também não faltou incompetência aos tradutores em algumas adaptações, nada fácil entender como Fox Force 5 (traduzindo, algo como Força da Raposa 5), grupo do programa de televisão de Mia, virou "Cinco Sedutoras Secretas".

Em Pulp Fiction e suas demais obras, Quentin Tarantino abusa do que Sergio Leone (Três Homens em Conflito, Era uma Vez no Oeste) chamava de Cinema de Cinema: homenagens e referências a outros filmes: no Jack Rabbit Slim’s os clientes são servidos por Zorro, Marilyn Monroe, James Dean, Mamie van Doren; a coreografia de Vincent Vega (John Travolta) e Mia, referência à dança de 8½ (assista às danças pelo YouTube clicando nos links); a forma como é filmada a cena no táxi de Villalobos (Angela Jones), similar à de Taxi Driver. Mas Tarantino vai além das referências e cria conexões entre o enredo dos filmes, incluindo Kill Bill, que seria lançado em 2003. O grupo descrito por Mia é semelhante em muitos aspectos ao Bando de Bill, o golpe de Butch Coolidge (Bruce Willis) com a espada foi o prelúdio das habilidades da Noiva (em Kill Bill, também interpretada por Uma Thurman). Há quem pense nisso como teorias irrelevantes, mas tudo faz sentido, haja vista que o argumento de Kill Bill saiu durante as gravações de Pulp Fiction, inclusive com idéias de Uma Thurman. Cinéfilos ainda especulam ligações com Assassinos por Natureza (Natural Born Killer, 1994), Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992) e outros. Essas conjecturas até renderam um intrigante curta-metragem brasileiro, Tarantino’s Mind, dirigido e escrito por Selton Mello e Seu Jorge.

Bruce na saída da loja com a Grace, moto estimada pelo policial sadomasoquista Zed

Todas as cenas de Pulp Fiction são passíveis de uma análise detalhada, para esta postagem escolhi um trecho do segmento “O Relógio de Ouro”, em que Butch vai resgatar o objeto que foi do seu pai. Pelas lembranças do pugilista sabemos que seu avô comprou o Relógio de Ouro em uma lojinha de Knoxville que vende de tudo, e do motivo por que o busca com tanta sagacidade, depois de descer do Honda ele chega à um trilha. Quando Butch atravessa a primeira casa, se ficar atento, poderá ouvir um anúncio do Jack Rabbit Slim’s, restaurante freqüentado por Mia e Vicent, que parece vir da televisão, isso explica a olhadela através da janela, o problema é que o anúncio não foi legendado, e na versão dublada é imperceptível, se é que existe. Quando o boxeador chega à sua casa, surpreende Vincent que saia do banheiro e o assassina, mas por que Vincent não levou a arma ao banheiro? E por que ele não reagiu ao barulho que Butch fez na cozinha? Depois, na rua, ele atropela o seu algoz, Marsellus Wallace (Ving Rhames), mas o que um chefe de máfia fazia em uma manhã com uma merenda nas mãos? Repostas: Marsellus é o novo parceiro de Vincent, talvez interino; nas cenas seguintes (cronologicamente anterior a esta) sabemos que Jules Winnfield (Samuel L. Jackson), ex-parceiro de Vincent, se retira da “vida”, Marsellus deixa a arma – de tamanho nada discreto para sair às ruas – para comprar a merenda, sempre que Vincent vai ao banheiro uma desgraça acontece, desta vez, a pior delas. Na perseguição, Butch e Marsellus acabam sendo abatidos em uma lojinha que vende de tudo, inclusive Relógios e Ouro (veja na vitrine da loja na figura acima: Gold, em inglês, é ouro; Watches, relógios). E por que Butch volta para salvar Marsellus após se livrar dos sadomasoquistas? Redenção, esse é um dos temas vigentes em Pulp Fiction, o mesmo motivo por que Jules não mata a dupla de assaltantes na lanchonete.

Pulp Fiction contou com vários fatores que o tornaria um fracasso, imagine você ir ao cinema para assistir a um filme que tem a seguinte sinopse: “Dois assassinos profissionais devem fazer cobrança para um gângster; um deles é forçado a sair com a garota do chefe, temendo passar dos limites; enquanto isso, boxeador se mete em apuros por ganhar luta que deveria perder”, e que esse ainda tem mais de duas horas e meia, e cujo título ninguém soube lhe explicar o que diabos significa, totalmente enfadonho! Esse último “erro”, Tarantino trata de “corrigi-lo” logo na primeira cena, com a definição dicionarizada de Pulp, daí já temos uma idéia de como serão os personagens; o resto é esculpido pelo roteiro e edição, que tratam de extirpar a rotina estereotipada da bandidagem e causar provocações no espectador, pois há certas cenas e detalhes que propositadamente têm o intuito de gerar discussões, como o trecho da bíblia lido por Jules, que só uma frase é realmente da bíblia: “Exercerei sobre eles uma vingança terrível, furiosos castigos; e, quando Eu executar sobre eles Minha vingança, saberão que Eu Sou o Senhor”, todo o resto é criação de Tarantino e L. Jackson; e a valise, cujo código para abri-la é 666, aliás, qual o conteúdo da maleta? E os relógios no porão da loja dos sadomazoquistas marcando 4h20min, que, segundo o site IMDb, é gíria para “hora de fumar maconha”.

Ah! E o filme conta com o grande atrativo do elenco – que fique registrado, mais de 60% do orçamento foi para os atores –, várias estrelas em ótima fase, destaco Samuel L. Jackson. Um grande filme, um grande sucesso. Justo.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Um Cão Andaluz

Un Chien Andalou
França, 1929
Direção: Luis Buñuel

O olho cortado nos leva a assistir a Um Cão Andaluz não com a visão fisiológica, mas com a onírica; os psicanalistas afirmam que a coceira na palma da mão remete ao desejo do ato sexual, o que explica as ações do pervertido; a corda presa às costas do homem com o piano, as mulas e os padres no outro extremo simboliza o peso da moral, a consciência cristã e a morte, que tentam impedi-lo. Essas são algumas das dezenas de interpretações do filmes, há quem veja simbolismos marxista, ateístas, socialistas... Talvez, as únicas que possam fazer sentido a Um Cão Andaluz são as metáforas freudianas, pois o Decreto do Surrealismo, de 1924, afirma que esse movimento artístico não tem nenhum simbolismo senão na psicanálise. Mesmo assim Buñuel refutou todas as conjeturas acerca do filme.

Um Cão Andaluz é até hoje o curta-metragem (na época ainda não havia esse termo para o cinema) mais assistido no mundo; e não é pra menos, ele consegue chocar o espectador como poucos filmes, as cenas contundentes, a escatologia, ausência de simbolismos e a excentricidade fazem parte da estética surrealista, a cena em que é cortado o olho de uma mulher (foi usado um olho bovino) com uma navalha, paralelamente uma nuvem “corta” a lua, é a melhor delas. “O surrealismo chega o auge provavelmente quando faz o dia-a-dia estranho”, diz Robert Short, artista integrante do movimento.

Para o roteiro, Luis Buñuel juntou-se a Salvador Dalí, pintor surrealista (algumas de suas obras são Persistência da Memória, Premonição da Guerra Civil e Gala Atômica), que interpreta um dos padres preso às cordas. A idéia de realizar o filme veio a partir do sonho dos dois, Buñuel falou a Dalí sobre um estranho sonho “em que uma nuvem cortava a lua... com uma navalha corta um olho”, Dalí falou sobre o seu: “uma mão rastejante com formigas”. A idéia era que nada fizesse sentido. Na primeira exibição do filme Luis Buñuel muniu-se de pedras, encheu os bolsos delas, temendo uma reação negativa do público, foi surpreendido, o filme foi bastante aplaudido, e rapidamente ele esvaziou os bolsos. Precisaria de tal precaução em 1930, na exibição de A Idade do Ouro, quando ele não estava preparado, os espectadores demoliram quadros de Salvador Dalí expostas no cinema, o filme foi acusado de fazer apologia à subversão moral e cristã. Só por curiosidade: é de Buñuel a frase: “Sou ateu, graças a Deus”.

Assista ao filme na íntegra no Google Videos

terça-feira, 10 de julho de 2007

Herói

Ying Xiong
China, 2002
Direção: Yimou Zhang


“Em uma guerra há heróis dos dois lados”, diz no começo do filme. O título original é mais adequado, Ying Xiong, que em Chinês clássico significa herói(s), o plural ou singular não é determinado. À primeira vista o herói parece ser Sem Nome, personagem de Jet Li, o que não fica claro até o fim da trama. Sem Nome é o prefeito de uma pequena cidade que se apresenta ao Rei Qin como o espadachim que derrotou os assassinos que ameaçavam o aspirante a Imperador. O estado de Qin de fato existiu, há mais de dois mil anos, situava-se a noroeste da atual China. O Rei, considerado até por seus súditos um tirano, pretendia unificar os sete estados e tornar-se o primeiro Imperador.

Para provar que derrotou os assassinos, Sem Nome mostra as armas dos derrotados; de fato, na China antiga, devia-se mostrar as cabeças decapitadas dos vencidos, Zhang, para moderar a violência, trocou por armas. Herói poderia ser um filme bem sanguinário, mas se vê poucas gotas de sangue. Ele conta a sua versão da vitória sobre Céu, Neve Voadora e Espada Quebrada, mas o perspicaz Qin percebe a mentira de Sem Nome e conjetura a sua própria versão dos fatos. Herói tem, desse modo, uma estrutura similar à de Rashomon, de Akira Kurosawa (Rashômon, 1950), em que as pessoas envolvidas em um homicídio têm de contar suas versões sobre o crime. Curioso como as armas são extensões dos assassinos ao qual pertencem, isso se reflete nos seus nomes: Espada Quebrada tem, literalmente, uma espada quebrada; a espada de Neve Voadora tem o cabo e bainha brancos, como a neve; Lua, discípula de Espada Quebrada, tem lâminas em curvas acentuadas, que lembram a lua crescente; Céu tem uma lança cor de prata; Sem Nome é um personagem sem batismo, mas é importante perceber que todo o tempo em que ele está em frente ao Rei Qin, todo o tempo dramático, ele está Sem Arma.

A fotografia e o figurino se encarregam de transformar Herói em uma Poesia das Cores, não há nada mais pitoresco que a Floresta Dourada, palco da refrega entre Lua e Neve Voadora, e a luta entre Espada Quebrada e Sem Nome sobre um lago que mais parece um espelho natural. Zhang conta as dificuldades de filmar essa locação, a equipe tinha somente duas horas por dia para filmar, tempo em que as águas estavam em calmaria, todo o resto do tempo o lago tinha uma correnteza natural, a cena levou vinte dias de filmagens. As cores têm um papel fundamental no enredo de Herói, cada segmento de história contado pelos personagens tem uma cor principal. A paixão entre Espada Quebrada e Neve, inventada por Sem Nome, tem a cor vermelha; o amor entre os dois, na versão hipotética de Qin, recebe o tom azulado; quando Sem Nome decide contar a verdade, a fotografia e o figurino são brancos. Espada Quebrada ainda conta como conheceu Neve, segmente verde. A cor preferida do verdadeiro Rei Qin, igual à do personagem, é preta. As armaduras do seu exército, seus cavalos, assim como a fotografia das cenas em seu templo, são todas pretas, cor que simboliza a morte.

Sem Nome vive um dilema, ele teve a confiança dos assassinos em matar o tirano, mas Espada Quebrada é contra o plano, acredita que Qin é único que pode unir a “Nossa Terra”, mesmo que isso custe o sangue de muitos, inclusive o seu. Sem Nome chega determinado a cumprir o plano, as velas à frente do Rei captam sua “intenção assassina” quando direciona as chamas ao governante, em outro momento as chamas circulam desordenadamente, é quando Sem Nome está indeciso.

O filme chegou a ser considerado fascista, justificando a violenta opressão do Imperador. A verdadeira dinastia unificou os outros seis estados (Chu, Qi, Wei, Zhao, Yan e Han), a língua – como sugere o personagem – e iniciou a construção da Muralha da China, recetemente considerada uma das Sete Maravilhas Modernas. Hoje, China é propensa a se torna a maior potência mundial nas próximas décadas.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Era uma Vez no Oeste

C’era Una Volta il West
Itália, 1968
Direção: Sergio Leone


Hoje em dia se produzem poucos faroestes, na década de 90 houve dois filmes do gênero vencedores do Oscar de melhor filme, Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992) e Dança com Lobos (Dances With Wolves, 1990), algo só realizado anteriormente pelo filme Cimarron (Cimarron, 1931); nesta década, apenas um grande sucesso comercial, O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005), considerado por alguns críticos uma subversão do gênero pelo seu tema homossexual. Mas o faroeste já teve o seu período áureo; na época, as nações mais prolíferas eram Itália e Estados Unidos. No momento em que o cinema italiano sofria uma crise, os cineastas se atraíram pelos abastados produtores americanos, dessa união nasceu o Spaghetti Western, que gerou mais de duzentos filmes, os melhores dirigidos por Sergio Leone (Por um Punhado de Dólares, Três Homens em Conflito, Quando Explode a Vingança...).

Penso no faroeste como o gênero cinematográfico que mostra o desenvolvimento de uma região: a pequena cidade que acabou de receber o telégrafo, a construção da ferrovia, o jornal impresso etc. As civilizações demasiado urbanizadas em que vivemos, a globalização e toda a tecnologia que nos cerca não demandam mais os filmes que mostravam as pequenas sociedades campestres, talvez por isso a baixa produção de westerns em tempos atuais. Era uma Vez no Oeste deixa isso bem claro, normalmente, nos filmes do gênero, a cidade é composta por uma única rua principal, Flagstone, a cidade de Era uma Vez, é quase que uma metrópole do velho oeste, e a vemos sempre em construção.

Digo sem medo de errar que a seqüência inicial é uma das melhores já filmada. Os três homens armados esperando o trem na estação ferroviária é uma referência ao filme Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann (High Noon, 1952), mas em Era uma Vez o veículo está duas horas atrasado, e nos deleitamos com o tédio cômico dos caubóis. Leone pretendia reunir os astros de Três Homens em Conflito (Il Buono, il Brutto, il Cattivo, 1966) para essa cena: Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Eli Wallach, mas Eastwood teve problema de agendamento e a idéia foi descartada. A trilha sonora é composta por ruídos, o zumbido da mosca, o gotejar, o moinho enferrujado constroem a orquestra, todos sons naturais, porém amplificado em laboratório. É uma marca registrada de Leone rodar cenas longas e lentas quebradas por ação brusca, rapidamente concluída, forte inspiração nos filmes japoneses de samurai, principalmente os dirigidos por Akira Kurosawa e Yasujiro Ozu; Gaita, personagem responsável pela melhor atuação de Charles Bronson, é quem rompe o silêncio.

Jill McBain, interpretada pela bela Claudia Cardinale, é a personagem central – posição não muito comum para uma mulher nos westerns –, Frank, vivido por Henry Fonda, é o homem que está interessado na riqueza preparada pelo seu falecido marido e a trata como uma mera prostituta; Cheyenne, Jason Robards, tem uma relação maternal e amorosa ao mesmo tempo; Gaita é uma espécie de guarda-costas. Todos iniciam relação com ela por acaso. Frank é ambicioso e pensa em um dia abandonar a pistola para se apossar de uma arma ainda mais poderosa: o dinheiro, pois tem consciência de que não há lugar para caubói com o desenvolvimento das cidades, ele pensa em suceder Morton, personagem que sofre de uma deficiência e não tem força nem mesmo pra morrer (o seu nome já nos lembra a palavra morte). Ele é um Cidadão Kane do velho oeste, dono de linhas ferroviárias, possui grandes riquezas, mas seu maior desejo é conhecer o mar; ironicamente, ele passa suas últimas horas de agonia em uma praia de proporções muito menores, uma poça de água.

Leone disse que todos os personagens, exceto a de Cardinale, têm consciência de que não chegaram ao fim da trama vivos, ainda usando palavras de Leone, o filme “pretendeu criar a sensação dos últimos suspiros que uma pessoa exala antes de morrer. Era uma Vez no Oeste é, do começo ao fim, uma dança da morte”, suspiro que é muito bem trabalhado na morte de Morton; de Frank, orquestrado pela gaita; no vapor exalado pelo trem.

A película é soberba em imagens, Fitz Lang (M – O Vampiro de Düsseldorf, Metrópolis) disse que o formato estendido dos filmes “só presta para cenas de serpentes e enterros”, e para Sergio Leone, eu acrescento. O Filme faz uso magistral do formato, seja na cena de enterro, como sugere Lang, nos duelos ou nas externas, destaco as cenas de Monument Valley, quase um personagem dos filmes de faroeste, Era uma Vez foi quase todo rodado em desertos da Espanha, mas Sergio Leone achou imprescindível adicionar esse cenário. Ennio Morricone, com toda a justiça, compôs uma das mais belas trilhas sonoras da história do cinema, impossível não cantarolar Like a Judgement, tema do personagem de Henry Fonda.

O último faroeste e penúltimo filme da carreira de Sergio Leone é o épico que parece nos despedir do gênero. O trem chega a Água Doce, que se tornará uma grande cidade, o sonho que McBain deixou de herança, os caubóis não têm espaço nesse tipo de lugar. Gaita tem de dar adeus.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Viagem à Lua

Le Voyage dans la Lune
França, 1902
Direção: Georges Méliès


Versão do filme em 24 quadros por segundos; Áudio (explicadora): francês

Georges Méliès era um mágico, literalmente, e soube transportar com genialidade o seu dom para o cinema. Acredito que você conheça a famosa história da exibição do filme A Chegada do Trem (L'Arrivée d'un train à La Ciotat, França, 1895), dos irmãos Lumière, a primeira exibição de um filme com público pagante. Méliès estava na platéia nesse dia e descobriu a vertente do entretenimento no cinema, algo que nem mesmo os Lumière acreditavam, achavam que era algo que só seria usado para estudos científicos e logo, logo sairia de moda. Felizmente sua previsão estava equivocada.

Méliès fazia apresentações como mágico circense em teatros, e o teatro influenciou diretamente nas suas obras cinematográficas. No cinema, ele realizava as mágicas por meio dos efeitos especiais, ele é considerado o pai da trucagem. A cada filme novo, efeitos inéditos surpreendiam platéias do mundo todo. Sempre foi copiado, mas ele não fazia questão de manter seus truques em segredo, no filme seguinte ele tinha novos efeitos. Seu filme mais conhecido é Viagem à Lua, a primeira ficção científica; se esse pioneirismo por si só não bastasse, Viagem à Lua contém a primeira cena em animação da história do cinema.

Acima, na janela do YouTube, há o filme na íntegra. Se você assistiu ao filme pela primeira vez, talvez algumas coisas não ficaram claras, também deve ter prestado atenção na voz da mulher que “narra” o filme em francês. Essa voz é da Explicadora, uma função obsoleta nos filmes atuais. Antes mesmo de os filmes adotarem textos, comum nos filmes mudos, alguém teria de explicá-los, normalmente o diretor do filme durantes as exibições em feiras e praças. Viagem à Lua deve assistido com ajuda de um explicador ou algumas cenas podem não ficar claras; pelos menos é bom que se tenha lido sobre o filme.

A primeira cena mostra o “diálogo” político entre homens que falam sobre a necessidade de enviar um foguete à lua. A cena seguinte já é a construção do foguete. Note que não há planos pequenos, close, aproximação de algum objeto. Méliès tinha um jeito de filmar único para todos os seus filmes: a câmera sempre parada, o enquadramento totalmente preenchido pelo cenário e personagens, cada plano é um plano seqüência, algo que lembra o ato do teatro, onde se conta um “capítulo” da peça, há pausa para troca de cenário e em seguida o próximo ato.

A chegada do foguete à lua é uma cena emblemática, o foguete, que mais parece uma bala, atinge a lua que tem um rosto humano, rosto nos astros celestes também foi usado por Méliès em O Eclipse (L’Éclipse du soleil en pleine lune, França, 1907). Na lua, os humanos são surpreendidos pelos selenitas, são seqüestrados e fogem depois de um combate curioso, ao serem atingidos, os selenitas explodem em fumaça. Para voltar à Terra? Muito simples. Basta empurrar a nave em um penhasco, como vemos a lua acima da Terra, a gravidade se encarregar do resto. Desnecessário dizer que o filme e seus princípios físicos são refutados pela ciência moderna. Tenha em mente que o filme é baseado na obra Viagem ao Redor da Lua, do escritor Julio Verne – o pai da ficção científica na literatura –, ainda no século XIX.

Viagem à Lua é a maior obra de Georges Méliès, foi sucesso em todos os lugares em que foi exibido, inclusive nos Estados Unidos, onde ele não ganhou um centavo, pois funcionários do ramo cinematográfico de Thomas Edison (um dos pioneiros do cinema e inventor, entre outras utilidades, da lâmpada elétrica e microfone) haviam feito cópias ilegais do filme e exibido por toda a América. Anos depois Méliès viria à falência.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Nosferatu, uma Sinfonia de Horror

Nosferatu, eine Symphonie des Grauens
Alemanha, 1922
Direção: F. W. Murnau

Baseado no romance Drácula, de Bram Stoker, esta é uma das mais belas expressões artísticas da história do cinema. Murnau preferiu Nosferatu ao título do livro por ser uma palavra mais soturna, mas também usou um termo presente na literatura de Stoker; na época em que escreveu, achava que a palavra era a tradução de “vampiro”, na verdade, é Transilvânia. A mulher de Stoker, herdeira dos direitos autorais do então falecido marido, proibiu a reprodução do filme, considerou um plágio. Na época, as leis sobre direitos autorais não eram muito claras, principalmente acerca do cinema. Prana Filmes, estúdio que fez Nosferatu, simplesmente não se preocupou em pedir os diretos à viúva de Stoker. O filme chegou a ser queimado, mas para felicidade do cinema no mundo todo, algumas cópias estavam salvas em outros países.

O vampiro de Murnau, chamado de Graf Orlok, é uma figura horripilante – talvez não nos dias de hoje –, quase uma mistura de homem e rato, as orelhas são semelhantes às de morcegos, suas unhas longas fazem os movimentos das mãos parecerem aranhas; enquanto a maioria dos filmes de vampiro traz a criatura com os dentes caninos transformados em presas, como os cães, Nosferatu tem os dentes centrais, como os roedores; ele também não é nenhum pouco sedutor, é engenhosamente pestilento. Max Schreck, que interpreta Conde Orlok – por funesta coincidência seu nome significa “terror” ou “medo” em alemão, na época achava-se que era um truque publicitário –, não se vale da teatralidade que a maioria dos vampiros adotou (Bela Lugosi, em Drácula, de 1931, por exemplo), ele atua de forma hipnótica a fim de nos passar tensão. Um dado curioso: Max Schreck não pisca os olhos uma única vez enquanto encena.

Hutter é um vendedor de imóveis que recebe um recado de Knock, lacaio de Orlok, sobre o desejo do seu mestre de comprar uma casa em sua cidade, Bremen. Hutter viaja à Transilvânia sem temer os rumores sobre a vilania de Nosferatu. Chegando ao castelo do conde, Orlok tem um estranho desejo pela mulher de Hutter, Lucy, após ver o camafeu com a imagem dela, logo ele se apressa em fechar o negócio e ir morar próximo a Lucy. Um das fraquezas do vampiro de Murnau é não poder se afastar da terra onde morreu, como ele deseja incondicionalmente ir até Lucy, ele decide levar em caixões o solo pestilento. Muitas das cenas nas quais o Conde aparece foram filmadas de dia, o que parece ilógico tendo em visto que os vampiros têm vulnerabilidade à luz solar, na época, era comum tingir a película do filme de azul para representar a noite, os equipamentos tinham pouca ou nenhuma condição de fazer filmagens externas à noite. E a luz foi usada de forma magistral, bem característico do expressionismo alemão. A sombra antecedendo a aparição da criatura virou um clichê do gênero horror. “Nosferatu não é um filme em preto e branco, mas em sombra e luz.” diz Herzog, que viria a fazer uma refilmagem em 1979.

Uma das cenas que foi gravada em plena luz do sol.

Quando chega à pacata cidade de Bremen, Orlok traz consigo a praga. A população está fadada ao extermínio, mas Lucy descobre as fraquezas vampíricas: repulsa a cruz e outras que estão obsoletas aos vampiros contemporâneos. Para matá-lo, uma pessoa pura de coração deve mantê-lo ao seu lado até o nascer do sol. E ela se entrega à criatura, dá o seu próprio sangue, distraindo-o como uma criança bebendo leite, até que amanheça e a luz solar destrua-o.

Versão do filme com a película pintada. Era comum tingir o filme de azul para representar a noite.

Nosferatu ficará na história do cinema por anos vindouros, mas não pelo seu horror, que já não tem o mesmo efeito que teve, mas pela arte que imprime.

No Brasil, há uma versão do filme cujas imagens são colorizadas (tingidas, como na imagem acima) e com trilha sonora não original. Faça um favor a si mesmo, passe longe dessa edição, ela é repleta de efeitos especiais que tiram a essência do filme.

A versão original do filme pode ser vista na íntegra no Google Vídeos. O texto é em inglês, como o filme é mudo, só um pouco de conhecimento na língua inglesa é suficiente para compreendê-lo.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

2001: Uma Odisséia no Espaço

2001: A Space Odyssey
EUA, 1968
Direção: Stanley Kubrick

Kubrick apresenta as imagens mais eloqüentes da história do cinema em 2001: Uma Odisséia no Espaço, a obra máxima da ficção científica. A abertura do filme, como era comum na década de 60, são alguns minutos de tela preta, mas, nesse filme, a escuridão tem um significado próprio: a aurora da vida, o período que antecede a gênese; em seguida, o filme nos leva para a aurora do homem.

Em época primitiva, macacos – ou antecessores do homem, se preferir – vivem momentos difíceis de sobrevivência devido à estiagem, eles vivem em meio à fartura de carne animal, mas os símios não têm arma natural capaz de abater a presa – o que nos diz isso é o ataque de um tigre a um primata – por isso se alimentam das escassas ervas. As últimas poças d’águas são disputadas entre as tribos. Em seguida temos a cena que dá a primeira virada ao filme: a aparição de um monólito negro, algo perfeitamente lapidado e muito além da compreensão dos primatas. A pedra é uma forma de representação da tecnologia, tendo em mente que os macacos não são capazes de fazer tal trabalho artístico, o monólito é uma forma alienígena. E ele instiga a tribo ao uso da ferramenta, é quando o macaco descobre que o osso de um animal morto pode ser usado como arma, uma clava primitiva. A expressão de curiosidade é sutil, em seguida ele dilacera a ossada, cena perfeitamente casada com a música arrebatadora de Strauss Assim Falou Zaratustra (não por coincidência o título de um livro de Nietzsche). E então, no que ficou marcado como a maior elipse temporal do cinema, a arma empunhada pelo símio é jogada ao alto e evolui-se para uma nave espacial, um salto de quatro milhões de anos representado pela ferramenta mais simples à mais complexa.

Um dos mais belos planos do filme. O sol e a lua crescente compõem um símbolo do zoroastrismo, representa o eterno conflito entre a luz e a escuridão.

A maestria de Kubrick está na forma como ele nos informa. Penso que um diretor menos genial descreveria tudo com uma narração em off, o que tiraria a magnitude da obra e deixaria com cara de um documentário clássico do Discovery Channel. Kubrick faz com que nos sintamos junto aos personagens, sentido todas as suas aflições e euforias. Quando chegamos ao espaço já colonizado pelo homem, experimentamos todo o tédio que os cerca por meio das habitualidades do dia-a-dia: prática de exercícios físicos, alimentar-se de comidas prontas, sol artificial.

O filme é implícito, taciturno e de ritmo lento, Stanley Kubrick dar-se ao luxo de mostrar vários planos que descrevem o cenário e o contexto (e vão muito além disso); na cena em que o astronauta Poole (Gary Lockwood) é arremessado ao espaço, há uma seqüência de três minutos com a respiração aflitiva da vítima; talvez por esses motivos 2001 foi tachado por muitos críticos como um filme enfadonho e maçante. Na première, em Nova York, boa parte do público saiu antes da metade do filme, o que levou Kubrick a dar uma cadência mais rápida eliminando 19 minutos da película original.

2001 está mais atual do que nunca e continuará sendo por séculos, a epopéia humana mostra em sua cadeia evolutiva como nós criamos tecnologia para nos destruir, isso é bem mais evidente nos dias de hoje do que em 1968, ano de lançamento do filme. Na obra, os humanos não passam de meros reparadores, HAL-9000 é o sexto tripulante e comandante da nave Discovery na missão Júpiter. E é apenas um computador. A outra parte da tripulação é composta por cinco astronautas humanos, três deles em estado de hibernação. Por meio de inteligência artificial, ele tem o domínio das operações. O conflito entre a máquina e o homem tem início quando HAL prevê a falha total de uma antena, uma afirmação dúbia para o astronauta Bowman (Keir Dullea), que vai certificar-se do relatório e confirma sua previsão: houve uma falha no computador. Temendo futuros erros, os astronautas acordados pretendem desligar o computador, tarefa nada fácil, já que HAL é onipresente na Discovery. Bowman e Poole vão a uma pequena nave que pode operar independente da nave principal onde compactuam contra a máquina, mas o perspicaz HAL-9000 lê os lábios de seus antagonistas. Bowman é único sobrevivente do embate.

Ao término do conflito Bowman é deliberadamente lançado a uma dimensão além Júpiter e chega a um enigmático quarto. O tempo vai se encarregar de livrar-se da carcaça humana: o corpo. No auge da senilidade, a vida de Bowman não se esvai, em vez disso o monólito aparece mais uma vez para que o humano dê seu próximo passo evolutivo e o torne-se a criança-estrela, apresentada na forma de um embrião espacial.

Um dos planos da seqüência em que Bowman viaja a Júpiter. Não parece um espermatozóide indo em direção ao óvulo (quarto)?

Ao longo do filme podemos ver – e ouvir – alguns paralelos com o zoroastrismo, religião da antiga Pérsia, penso que Kubrick nos remete à filosofia de Nietzsche. Em seu livro Assim Falou Zaratustra – Zaratustra, conhecido pelos gregos como Zoroastro, é o fundador da religião – o filósofo fala, entre outros, do mito do além-homem (ou super-homem em algumas traduções), o ser que está acima do pecado original, acima de todos os outros homens. As últimas imagens, após os créditos, são como as cenas iniciais, somente a escuridão, penso nisso como uma alusão ao mito do eterno retorno.