terça-feira, 10 de julho de 2007

Herói

Ying Xiong
China, 2002
Direção: Yimou Zhang


“Em uma guerra há heróis dos dois lados”, diz no começo do filme. O título original é mais adequado, Ying Xiong, que em Chinês clássico significa herói(s), o plural ou singular não é determinado. À primeira vista o herói parece ser Sem Nome, personagem de Jet Li, o que não fica claro até o fim da trama. Sem Nome é o prefeito de uma pequena cidade que se apresenta ao Rei Qin como o espadachim que derrotou os assassinos que ameaçavam o aspirante a Imperador. O estado de Qin de fato existiu, há mais de dois mil anos, situava-se a noroeste da atual China. O Rei, considerado até por seus súditos um tirano, pretendia unificar os sete estados e tornar-se o primeiro Imperador.

Para provar que derrotou os assassinos, Sem Nome mostra as armas dos derrotados; de fato, na China antiga, devia-se mostrar as cabeças decapitadas dos vencidos, Zhang, para moderar a violência, trocou por armas. Herói poderia ser um filme bem sanguinário, mas se vê poucas gotas de sangue. Ele conta a sua versão da vitória sobre Céu, Neve Voadora e Espada Quebrada, mas o perspicaz Qin percebe a mentira de Sem Nome e conjetura a sua própria versão dos fatos. Herói tem, desse modo, uma estrutura similar à de Rashomon, de Akira Kurosawa (Rashômon, 1950), em que as pessoas envolvidas em um homicídio têm de contar suas versões sobre o crime. Curioso como as armas são extensões dos assassinos ao qual pertencem, isso se reflete nos seus nomes: Espada Quebrada tem, literalmente, uma espada quebrada; a espada de Neve Voadora tem o cabo e bainha brancos, como a neve; Lua, discípula de Espada Quebrada, tem lâminas em curvas acentuadas, que lembram a lua crescente; Céu tem uma lança cor de prata; Sem Nome é um personagem sem batismo, mas é importante perceber que todo o tempo em que ele está em frente ao Rei Qin, todo o tempo dramático, ele está Sem Arma.

A fotografia e o figurino se encarregam de transformar Herói em uma Poesia das Cores, não há nada mais pitoresco que a Floresta Dourada, palco da refrega entre Lua e Neve Voadora, e a luta entre Espada Quebrada e Sem Nome sobre um lago que mais parece um espelho natural. Zhang conta as dificuldades de filmar essa locação, a equipe tinha somente duas horas por dia para filmar, tempo em que as águas estavam em calmaria, todo o resto do tempo o lago tinha uma correnteza natural, a cena levou vinte dias de filmagens. As cores têm um papel fundamental no enredo de Herói, cada segmento de história contado pelos personagens tem uma cor principal. A paixão entre Espada Quebrada e Neve, inventada por Sem Nome, tem a cor vermelha; o amor entre os dois, na versão hipotética de Qin, recebe o tom azulado; quando Sem Nome decide contar a verdade, a fotografia e o figurino são brancos. Espada Quebrada ainda conta como conheceu Neve, segmente verde. A cor preferida do verdadeiro Rei Qin, igual à do personagem, é preta. As armaduras do seu exército, seus cavalos, assim como a fotografia das cenas em seu templo, são todas pretas, cor que simboliza a morte.

Sem Nome vive um dilema, ele teve a confiança dos assassinos em matar o tirano, mas Espada Quebrada é contra o plano, acredita que Qin é único que pode unir a “Nossa Terra”, mesmo que isso custe o sangue de muitos, inclusive o seu. Sem Nome chega determinado a cumprir o plano, as velas à frente do Rei captam sua “intenção assassina” quando direciona as chamas ao governante, em outro momento as chamas circulam desordenadamente, é quando Sem Nome está indeciso.

O filme chegou a ser considerado fascista, justificando a violenta opressão do Imperador. A verdadeira dinastia unificou os outros seis estados (Chu, Qi, Wei, Zhao, Yan e Han), a língua – como sugere o personagem – e iniciou a construção da Muralha da China, recetemente considerada uma das Sete Maravilhas Modernas. Hoje, China é propensa a se torna a maior potência mundial nas próximas décadas.

3 comentários:

Raiana disse...

Me encantei quando vi o filme, mas após ler sua crítica, fiquei mais impressionada ainda com a beleza de Herói! As cores do filme, definitivamente, marcam toda a história, mas eu não tinha feito as ligações entre as cores apresentadas e os sentimentos das personagens, nem havia feito a conexão dos nomes com os detalhes das espadas... Vou rever o filme e prestar mais atenção nesses detalhes! A fotografia de Herói é belíssima! Talvez as gotas de sangue a menos foram propositais, dando mais sensibilidade as cenas e aos sentimentos das personagens, quem sabe... Se bem que, no clã das adagas voadoras, a cena da luta na neve, com o sangue marcando o cenário branco e verde, deixou a cena mais viva... Mas em Herói as cores já eram vivas o suficiente, não é mesmo? Não havia necessidade de mais sangue nem para embelezar ou sensibilizar, as cores das cenas já falavam por si só.
Adorei o blog! Verei os filmes indicados e verei herói novamente!

alice disse...

Por coincidência,hoje,revi este belíssimo filme com outra visão.

alice disse...

Por coincidência,hoje,revi este belíssimo filme com outra visão.