sábado, 6 de outubro de 2007

Psicose

Psycho
EUA,1960
Direção: Alfred Hitchcock

–O melhor amigo de um garoto é a sua mãe.

A década de 1960 foi a precursora da psicose no cinema, alguns estudiosos atribuem a isso a difusão das teorias freudianas acerca da esquizofrenia, também é cria dessa popularização Cabo do Medo (Cape of Fear, 1962). Há uma frase da psicanálise que sintetiza perfeitamente Psicose: “Dentro de você há um lado sombrio, seria um horror maior conhecê-lo”. Norman Bates não só o conheceu como manifestou.

O romance de Robert Bloch, no qual foi baseado o filme, apresenta um Norman Bates velho, feio, desagradável e de maus hábitos, exatamente o oposto do personagem de Hitchcock, para o diretor, um vilão é alguém agradável, “...senão, como ele chegaria até as suas vítimas?”. Baseado na verídica série de assassinatos do taxidermista Ed Gein, (que futuramente inspiraria Leatherface, de O Massacre da Serra Elétrica e Hannibal Lecter, de O Silêncio dos Inocentes), Norman Bates (Anthony Perkins) tenta se redimir do homicídio da própria mãe, que compunha junto com ele toda a sua vida, e agora divide sua personalidade com ela. Recebe em seu isolado motel a jovem Marion Crane (Janet Leight), que a princípio nos é apresentada como uma jovem imaculada de lingerie branca, a mudança que descobrimos nela se manifesta no figurino: após o roubo 40 mil dólares, ela usa roupa íntima preta. Mas é um crime passional, sua pretensão é poder viver ao lado do amante divorciado, por isso ela se encaixa nos padrões de “mocinho” do cineasta, sempre perseguido injustamente, é assim em O Pensionista, Intriga Internacional, Frenesi e outros. François Truffaut já chamara a atenção de Hitchcock como um diretor que dirigiu o mesmo filme várias vezes.

Em uma saleta da hospedaria, temos uma prévia involuntária de Os Pássaros (The Birds, 1963), as aves embalsamadas compõem o segundo plano dos close-ups em Bates, revelando sua personalidade soturna. Marion tem uma dosagem acentuada de vilania, outra marca registrada de Hitchcock é tornar uma nuança a diferença entre o mal e o bem, ele dizia que “todos somos maculados pelo pecado original”; Marion é castigada com uma morte prematura – uma subversão aos padrões de roteiro que até hoje dificilmente traz o óbito de um personagem principal ainda na primeira metade da película. Mas antes, somos espectadores de uma outra particularidade do cineasta: colocar a polícia como algo inconveniente, o onipresente agente rodoviário no encalço da ladra; deve-se a isso uma brincadeira do pai de Hitchcock que o levou à prisão como uma forma de castigo, um trauma que ele levaria às telas do cinema. É também nas rodovias que somos testemunhas da psicose de Marion, os primeiros diálogos enquanto dirige são lembranças; na outra cena, depois de trocar o carro, são devaneios.

A cena do chuveiro é hoje uma das mais lembradas, e merecidamente. Um balé de edição de 45 segundos, 90 planos, 70 posições de câmera, dois atores e um diretor brilhantes; adicione ao lance a orquestra de Bernard Herrmann. Na maioria das vezes, a música original só reafirma as imagens, Herrmann transcende o suspense. Hitchcock disse que, de tudo o que é expresso em Psicose, ⅓ é por meio da orquestra. Após a limpeza do crime, em mais de 10 minutos de silêncio, nossa afinidade vai para Bates. Inconscientemente ou não, torcemos para que o carro com a prova do crime afunde por completo no pântano. Anthony Perkins é um jovem cortês, simpático e gagueja com as interrogações do detetive particular, se tivesse as mesmas características do Bates do livro de Robert Bloch, o filme tomaria outro rumo em nosso subconsciente.

O cineasta Howard Hawks definiu um bom filme como aquele que tem três grandes momentos e nenhum ruim. Psicose não se encaixa nesse conceito: uma das últimas cenas, em que o psicólogo explica a situação de Norman Bates, é uma tagarelice desnecessária, é duvidar de que o público possa entender e precisa de uma síntese. O mestre do suspense nunca registrou uma explicação sobre essa cena, que recebeu vários comentários negativos, e até onde se sabe jamais foi questionado sobre. Truffaut, em seu clássico livro-entrevista com Hitchcock, cordialmente omitiu a pergunta.

Hitchcock fez de tudo para manter em segredo o desfecho de Psicose: não permitiu as sessões prévias da imprensa (tivera experiências frustrantes com Rebecca, a Mulher Inesquecível, de 1940, e Suspeita, de 1941, em que a mídia revelou a conclusão da trama), comprou várias edições do livro e proibiu a entrada de pessoas depois de iniciado o filme, “Alfred Hitchcock insiste: depois de ver Psicose, por favor, não conte aos seus amigos os segredos chocantes”, diziam os cartazes; tudo para garantir a surpresa à platéia. Hoje, é um filme tão difundido, satirizado e até plagiado que parece ter perdido o ineditismo. Nos primeiros minutos, já é previsível que não se trata de uma perseguição policial a fim de recuperar o dinheiro roubado, a espera pela cena do chuveiro causa muito mais ansiedade. Mas é um filme que continua chocando e inspirando as gerações atuais.

Guia de Mitos Psicose
Com o tempo, vários rumores foram criados acerca de Psicose, alguns se confirmam. Cito aqui os principais.


Hitchcock proibiu o presidente dos EUA e a Rainha da Inglaterra de assistirem ao filme: falso. Houve um mal entendido que teve uma boa repercussão, trata-se de um dos cartazes espalhados pelos grandes cinemas americanos (veja a foto acima); traduzindo: “Não permitiremos você se enganar! Você deve assistir a Psicose do início ao fim para total proveito. Então, não espere ser admitido no cinema após o início de cada exibição do filme. Dizemos ninguém – e queremos dizer ninguém – nem mesmo o irmão do gerente, o presidente dos EUA ou a Rainha da Inglaterra (Deus a abençoe)!”.

Os seios da atriz aparecem na cena do chuveiro: verdadeiro. Quando ela fecha a cortina, é possível ver através do plástico translúcido. Em outro momento, durante o ataque, é possível ver um dos mamilos no canto inferior direito da tela, o que ultrapassa os limites de censura da época em que o filme foi rodado. Porém é quase imperceptível; com o DVD, assistindo quadro a quadro, é fácil ver. Apesar de tudo, não se trata de Janet Leigh, recentemente ela disse ter sido substituída por uma dublê nessa cena.

O filme foi gravado em preto-e-branco por falta de orçamento: falso. É verdade que o diretor queria um trabalho pouco custoso, até dispensou a equipe da Universal e usou a do seu programa de TV, Alfred Hitchcock Presents, concluiu a película com apenas 800 mil dólares, uma bagatela para os padrões hollywoodianos, mesmo na época. O motivo era que algumas cenas, se filmadas em cores, poderiam ficar muito sanguinolentas, e esse não era o objetivo.

O sangue usado na cena do chuveiro é chocolate: verdadeiro. Também foi testado ketchup, mas a calda do chocolate Bosco, uma marca americana popular, tinha a consistência mais parecida com a de sangue. Nenhum problema para um filme preto-e-branco.

Há uma imagem subliminar de uma caveira sob o rosto de Perkins: verdadeiro. Mas não é nenhuma técnica de persuasão. No fim da última cena em que aparece Norman Bates, na transição para o momento em que se desatola o carro do pântano, o crânio da mãe de Bates é sobreposto, mas é difícil perceber; os dentes são a parte mais visível.

2 comentários:

Anônimo disse...

ola
eu nao sei como mas cheguei no seu blog, e achei realmente muito bom, o conteudo e o assunto sao fantasticos!
pelo que eu vi faz um tempo que vc naum publica. nao pare de escrever, porque vc tem talento.
bjos!

Felippe Alves disse...

Essa foi a melhor crítica que eu já li sobre Psicose: filme da minha infância, que me fez morrer de medo e nem conseguir dormir por duas noites. Confesso que já sabia das curiosidades, mas o detalhe da cor da lingerie de Marion depois do roubo... hahaha adorei... de verdade!